terça-feira, março 28, 2006

Falar/Querer

Falo o que sinto para agradá-la
Falo o que acho para evoluir
Penso na perfeita concepção dos fatores
Para ouvir o que quero.

sexta-feira, março 24, 2006

Situação

Por mais que tentasse a situação se agravava a cada dia. Sem saída para toda a confusão que se criou, ele ficou com as mãos atadas para tudo que ocorria. A cada manha, não sabia o que esperava, a não ser um esporro, uma chateação ou uma reclamação vinda de alguém. Suportava tudo isso por não saber o que estava realmente acontecendo com ele. Como num filme, tudo de bom que estava presente fora expelido meses atrás e agora somente a amargura tomava conta de seu organismo. Sustentava-se do dinheiro que lhe era fornecido no intuito de seguir sua pacata vida aonde pudesse pensar a respeito de tudo e de todos.

O bicho que estava se tornando estava fazendo frente aquela cara lavada de adolescente mimado que pertencia a ele. As rugas da idade temiam em afugenta-lo dos outros, de uma forma que se achasse feio em relação aos outros. Sua auto estima estava péssima com as preocupações do dia dia. Acreditava que aquilo que realizava profissionalmente não era sua cara, mas a situação não estava boa. Passou-se o tempo de largar tudo e perseguir algo novo. A situação era diferente. Contas para pagar, acordos a cumprir. A festa continuava, mas a consumação é cara. Se perder a cartela, o custo será alto não só para mim como para outros envolvidos.

Cabeça de adolescente pode ainda persistir porem os traços dos anos se passando vão, sendo marcados pelo corpo como uma lembrança de tempos doces que passaram com períodos salgados que qualquer vida atravessa.

terça-feira, março 14, 2006

Discernimento

Já de perto não pôde discernir o certo do errado. A cabeça dava voltas e mais voltas. Atordoado com a cena retirou-se. Bateu a porta com força e procurou a escada. Vomitou. Não tinha nada em seu estomago. Puro estresse. Pura descoberta. Não soube como reagir ao vê-la com outro. Não se perguntou porque. Perguntou-se quando. Não podia crer na cena. Seu amor com outro. Eu a amo! Gritou ele. Nada adiantou os ecos. Ninguém o acudiu. Descendo cada vez mais rápido procurava ar puro. Ar que pudesse respirar, não esse petrificado, que pesava toda a vez que inalava. Adentrou o pátio com os olhos vermelhos, esbugalhados, rosnando algo incompreensível. Não cruzou com ninguém. Aqui fora o ar estava frio, denso e a nevoa encobria a paisagem.
Cinco semanas. Nada mais que cinco semanas foram capazes para se enamorar, gostar, amar e desiludir. Caíra de cabeça na relação. Sem princípios definidos não soube como agir. Ficou desiludido com tudo. Sua voz embargada procurava estruturar as idéias. Sentou-se no meio fio. Uma leve chuva começou a cair. Não se importava com nada. O que o incomodava era o fato de vê-la com outro. Não importava se o outro era seu namorado e ele, o mero coadjuvante. Não sua historia, ele era o principal. Tudo o rondava. Sabia desse perigo, mas ocultou. Tinha complicações em se declarar, porem recitava as coisas mais lindas. Conhecia a família, mas ao mesmo tempo não existia. Como uma sombra real, vivia pelos cantos esperando horas contadas para realização e prazer. Quem queria isso? Ele.
Desiludido pela terceira vez, tirou os sapatos, colocou debaixo do braço e desceu a grande avenida andando pela calçada, jurando que aprenderia a não mais fazer isso até o momento que se apaixonasse novamente.

sexta-feira, março 10, 2006

Mangue

Todo dia ao amanhecer, Joaquim pegava seu puçá, colocava sua bermuda cortada de uma antiga calça jeans, botava o chapéu de palha e aquela camisa branca com estampa de político e seguia em silencio para a beira do rio, margeando sempre a ribeirinha que naquela hora estava bem baixa devido à maré. Ele caminhava em direção ao mangue. Seu trabalho, siris, caranguejos e pequenos peixes que se alimentavam na beirada.
Desde moleque, Joaquim acompanhava seu pai nesse trabalho ate um dia que seu pai não agüentou o sol forte de um dia insuportável e caiu fulminado de um ataque cardíaco no mangue que sempre prezavam tanto. Foi um baque e tanto. Se manas e semanas passará sem ir ao mangue, mas precisava trabalhar, se alimentar, em poucas palavras, ele deveria seguir em frente e não deixar o abatimento tomar conta disso, que um dia algo de muito bom iria acontecer com ele. Levava fé. E em fé devemos respeita-la se não acreditarmos. Princípios de vida e educação.
O barulho de seus pés na lama anunciava a chegada ao seu local de trabalho. Silencioso, deserto, com sombras que se formavam com o nascer do sol e cada dia tinham uma forma e tonalidade diferentes, graças ao efeito do vento e de suas nuvens trazidas. Benzia-se todo momento antes de aprofundar-se ate o joelho catando esses animais. Sentia medo da traição. Da traição desses siris e caranguejos que se escondiam nas profundezas escuras do lamaçal. A qualquer momento algo poderia dar-lhe o bote. Diversas vezes sangrava por toda a perna pelas picadas certeiras com suas patas de alicate. Tentara de tudo, bota emborrachada, calça comprida, luvas. Mas quanto mais a tecnologia ele utilizava mais escasso ficava a pesca. Tinha certeza que todos sentiam a presença de algo diferente naquelas manhas e nem apareciam.
Porém nessa manhã algo diferente mudou. Já estava pescando há meia hora e percebeu que seu balde estava abarrotado de caranguejos. Achou o máximo, foi enchendo e enchendo até esgotar-se. Sabia que iria realizar inúmeras viagens para levar ate a revenda. Não se fez de rogado, com força e determinação vendeu tudo. Um dia, dois, três.... uma semana. O mangue estava rendendo frutos, se pudesse comparar diria que parecia uma grande mangueira na primavera. O dinheiro entrava e ele se animava. Começou a comprar coisas novas para casa. Inclusive para a cidadezinha mais próxima ele foi. Joaquim ficou abastado com a vida, mas não largou seu mangue.
Após esse período inicial, deixou de ir num domingo para descansar. Afinal estava exausto. Foi quando segunda feira, algo mudou seu rumo. Naquela manhã, após benzer-se antes de fincar seus pés na lama, a viu. Do outro lado do rio, acompanhou seu surgimento de dentro do lamaçal. Era linda, morena de pele clara. Não trajava nada por cima, porem suas curvas lameadas anunciavam um belíssimo corpo. Ficou a admirá-la por longos minutos. Ela emanava um som calmo, lírico que fazia o tilintar das folhas parecer um belo acompanhamento musical.
Estava enfeitiçado! Apaixonara-se. Não tinha duvida. Largou seu balde e luvas e saiu com dificuldade ao seu encontro. Cada vez que ia dando passos, a musica se tornava mais nítida e alta. Seu corpo já não respondia a seus comandos. O mangue, que achara por anos que tinha uma profundidade pequena, abriu-se. Cada passo que dava, afundava cada vez mais. Ficou surpreso com essa descoberta, mas não parou um minuto para olhar para trás. Casa, família, amigos, nunca tivera tão forte sentimento que o fizesse voltar. Ouviu o nome de Lara repetidas vezes. Chamou por ela, e ela o fitou e respondeu com afeto. Sua voz transmitia clareza, como um trago que purificasse sua garganta. Seus olhos brilhavam refletidos nas águas do rio. Quando estava com o corpo quase todo coberto, parou.
Joaquim teve um lapso de consciência, ficou estático e como num flash, refletiu sobre tudo que passara em sua vida comum. Desde as brincadeiras perdidas na infância, passando pelas dificuldades na alimentação e na educação até a bonança dos últimos dias. Seus pais nunca acreditariam no que ocorria com ele. Riqueza, amor, paz. Isso era muito bom para ser verdade, pensou ele, apesar do pouco tempo na escola e muito menos nos livros da vida. Algo está errado. Lembrou-se das historia do boto que seu pai contava quando criança.
- Será? – pensou ele. Essa historia era para eu me precaver e não ir nadando ate o outro lado da margem. Devido a correnteza, meu pai sentia um pouco de medo. No instante que fui ganhando idade, essa questão se dissipou. Agora fico confuso.
Resolveu interpelara para saber de suas intenções. Gritou:
-Lara, Sua voz me encanta, mas venha até aqui!
Ela aumentou seu canto e desnorteou-o mais uma vez. Quando não dava mais pé, recuou.
-Lara, Lara, não consigo ir até você. Vou me afogar! Quero saber um pouco de ti. Sua voz me lava a alma. Da onde és?
-Sou daqui, nunca me viu? Perguntou. Todo dia de manhã estou aqui a te observar. Somente hoje tive coragem de falar com você – continuou ela
-Mas como? Eu nunca a vi? Moro neste mesmo lugar há vinte anos, conheço cada espaço de terra dessa região, inclusive esse mangue que é minha segunda casa.
-Taí o que você falou Joaquim. Conheces somente a terra, os mares ainda tem que desbravar. E ninguém melhor do que eu para te mostrar. Venha comigo, iremos a lugares que você jamais pode imaginar....
-Como assim, você quer me levar? Com que propriedade? Acabamos de nos conhecer e apesar de ser humilde tenho plena consciência das coisas que acontecem hoje em dia na sociedade e não seria homem suficiente para me apaixonar de primeira. Hoje em dia temos que conhecer a pessoa antes. O simples fato de você estar no mangue não te reserva o direito de me ter...
Lara arregalou os olhos, não entendendo o discurso moralista vindo de Joaquim , um jovem catador de siri e caranguejos do mangue. O mesmo mangue que há pouco forneceu tudo de bom para ele, fartura, felicidade e prosperidade. Era tudo obra de Lara para conquistá-lo. Que poder ela tinha, e que Joaquim nem desconfiava? Alguma força sobre as águas, sobre os peixes e seres vivos daquele ecossistema.

A continuar....

domingo, março 05, 2006

Tudo certo

Bam....a porta bateu. Maliciosamente sai da sala depois de ter deixado-a desnorteada. Afinal de contas, terça-feira de Julho, frio até não poder mais. Eu vestido da cabeça aos pés, ainda mais usando aquele gorrinho de tricô, que encontrei lá em casa. A nova faxineira ainda não acertou os lugares certos das coisas. Então eu, uma pessoa descolada, querendo usar o novo gorro para sair por aí, acabei utilizando aquele dos meus bons dez anos de idade, que tem um pompom felpudo preso bem no meio. Ridículo para minha idade porém nesse frio fora minha salvação.
O frio representava bem o estado de espírito que estava. Sem muita conversa, pretensão individualista, doido por chamego quente numa noite clareada pela lareira alheia.Caminhei rápido pelas largas ruas arborizadas do meu bairro. Sem muitos subidas, algo raro na cidade, fui me protegendo do vento gelado que tomara conta da região naqueles últimos dias. Será que não vai cessar? Ou é muito quente ou muito frio. Nunca fui em cima do muro, mas agora gostaria que estivesse meio a meio, nem frio nem calor. Quem sabe no máximo um casaquinho.
Dobrei a ultima esquina, com o nariz vermelho e escorrendo, tentando aquecê-lo com as luvas de esqui. Apesar de serem raras as vezes que os singelos flocos brancos caiem, sempre quis ter um de boa qualidade para o dia de isso acontecer. Continuo a esperar. Falta pouco para chegar ao prédio da universidade onde estudo. Suntuoso, branco, erguido na década de 40 no desenvolvimento da cidade. Era para ser o centro cultural da região, aonde a intelectualidade freqüentasse quase que diariamente, ora nas aulas, ora em cursos, ora nos tempos livres. Segundo a historia, isso costuma acontecer em breve períodos de cada geração. Como conto que cada geração tem no mínimo uns cincos anos de diferença, presumo que não verei a minha pulsando por aqui. Já estou terminando o curso e ate agora nada de muito empolgante acontecera, então é torcer para algo de novo quando isso tudo acabar, que ligue minhas turbinas para o viver.
Adentrei o prédio, já retirando o cachecol que envolvia meu pescoço. Difícil, pois enroscou na minha barba serrada que gostava de cultivar pelo simples fato de não machucar a pele e sofrer com o frio desgraçado da água da torneira. Deveria ter algum dispositivo fantástico no meu prédio de encanamentos antigos que fazia essa mágica.
Desabotoando o enorme casaco esbarrei nela. Primeiro pensamento: xingar o sujeito. No momento que saia “seu merda” pelas minhas cordas vocais, engoli a seco o palavrão. Seus olhos castanhos claros foram o primeiro sinal de calor que tive. Seu casaco vermelho contrastou com a claridade que vinha da enorme clarabóia central do prédio. Como um prisma que deforma o feixe de luz, engasguei. Pedi desculpas, ela riu e continuou seu caminho. Num raro momento de pretensão, achei me bonito. Sorri sozinho e me sentido atraente fui ajeitar o cabelo. Inconscientemente todos fazem isso. Nesse momento agarrei o pompom que ainda estava sobre minha cabeça. Minha auto estima bateu no alto e caiu numa velocidade extrema. O “seu merda” finalmente saiu.
Sabe aquela sensação de insegurança, que te deixa sem graça, meio que fora de órbita, pensando forte num só assunto? Sou eu, naquela aula de estrutura metálica. Eu, amante de literatura, grande letrista de textos sem nexos que um dia seriam estudados, estava pensando longe naquela tarde. Pensei em diversos outros jeitos de esbarrar novamente com ela. Como nunca tinha a visto, fui para fora da sala refletir na melhor maneira de encontrá-la. Foi quando me surgiu umas idéias e peguei o bloquinho de pseudo-pensamentos que andava todo dia comigo e escrevi:
“Tarde fria, coisa nova
Pompom, sorriso, perfeição.
Ingênuo, engasgo e suor.
Coisa nova para aquecer a situação”

Nunca achava que ficava bom, mas guardava para um dia alguém doido o bastante lesse e publicasse. Como sabia que não viveria disso, fui estudar engenharia. Poderia servir para diversas coisas. Empresas, administrar algo ou simplesmente cumprir ordens. Nesse momento a crise existencial tomava conta de mim, então relaxei e deixei curtir essa fase melancólica, regada a Radiohead e Coldplay. Reclamava bastante da namorada que nunca tive, era um sofredor nato. Afinal eu era o ator principal da minha própria historia.
Depois de trinta minutos lá fora a pensar, resolvi caminhar para biblioteca a fim de pegar emprestado o décimo livro diferente que estava comigo. Como conhecia bastante o pessoal de lá e sempre fui um cara correto nas entregas, eles abriam uma exceção. Deveria ter uma lábia incrível, pois nem sequer tinha começado a folhear o terceiro e já levava para casa outro. Eu, em plena juventude, aos 23 anos de idade, completamente confuso, tendo crise, lendo demais, fantasiando algo que desconhecia...que sensacional. Só faltava o que? Conversar comigo mesmo. Um certo altismo narcisista, que cultivava desde a infância, nos parquinhos do bairro.
Entrei na biblioteca sorrindo para o pessoal que lá trabalhava. Essa era o primeiro ponto da cordialidade que liberava, dentro do meu projeto de ter tantos livros ao mesmo tempo. Não vou entrar no quesito das outras táticas. Continuei naquela situação falsa ate chegar às mesas de estudo. Silencio total. Sempre imaginava como seria o dia naquele enorme salão lotado de gente, no maior silêncio, os inspetores de olho no primeiro suspiro alto para repreender, quando alguém como eu soltasse o grito mais alto do mundo quebrando de vez, o moral daquele recinto aonde as regras são as mesmas há séculos, só alterando, é claro a tecnologia. “No que sentei, olhei para a mesa a frente e lá estava ela”. Toda historinha de amor começaria um parágrafo com essa frase, mas o certo foi que lá estava ela do outro lado do salão, compenetradíssima num enorme livro de biologia nem sequer prestando atenção no ambiente. Não consigo processar na minha cabeça, como tem gente que não desvia o olho do livro quando entra alguém na biblioteca. Pode ser alguém novo, seu amigo, aquela menina linda e famosa, seu professor de calculo, o reitor, etc. Sou curioso, igual a todos, nem fanático nem blasé.
Logo me imaginei andando em sua direção, com no fundo aquela musica de Alceu, la belle d’jou, tocando com seus acordes angelicais. Mais que nada, sentei na cadeira dura e abri o livro no meio. Um ancião que vivia na minha rua, tipo Yoda, vivia a observar tudo e todos, desde que ficara viúvo há muito tempo. Veja só nem era nascido! Um dia quando passava por seu jardim, ele me chamou para conversar. A partir de então sempre que tinha vontade ia lá ouvir historias, lia alguns versos meus sem sentido e absorvia uma certa sabedoria. Numa vez ano passado ele me disse:
- Nunca demonstre insegurança para alguém que tenha despertado você. Isso não é corriqueiro. Então esteja sempre preparado. Fixe seus olhos nela. Isso a deixará curiosa ao mesmo tempo que agredida. Inverta o jogo! – e acendia seu cachimbo dando grandes baforadas.
Por isso levantei a cabeça e fixei meu olhar. Normal que ficasse cansado de ficar olhando para o mesmo ponto. Quase desisti por duas vezes. Na terceira, já devia estar com o olho lacrimejando quando ela levantou a cabeça, como querendo respirar e olhou para frente. E lá estava eu querendo chamar sua atenção. De que maneira? Com o olhar! Não tava dando certo. Ela abaixou a cabeça, mas logo levantou. Foi então que ela acenou. Abri um sorriso enorme e apontei para mim.
-Grande ancião, mestre da sabedoria – pensei. Logo imaginei ele há 50 anos atrás de gomalina no cabelo, piscando para as doces virgens da região.
Foi então como que um furacão, me passa o bibliotecário com outro livro de biologia debaixo do braço, indo em direção a sua mesa. É normal que ficasse arrasado com essa cena. Foi então que tive uma bela idéia. Puxei da mochila o velho gorro com pompom e coloquei na cabeça. Voltei a fixar meu olhar na direção dela. Quando já estava quase desistindo, com meia biblioteca rindo (por dentro) da cena, ela olhou. Arregalou os olhos, apontou para cabeça e sorriu. Sorri também, fiz cara de dor aonde tinha esbarrado nela (foi no peito), mexi no pompom e tirei o gorro. Ela riu alto e tapou a boca. Disse algo lá do outro lado. Como não se pode conversar aqui dentro, não entendi nada. Só fiz com mímica que ia lá para ouvir. Ela consentiu. Levantei em câmera lenta, fechei os livros com força, comecei a me aproximar. Na hora, escutei a musica de Alceu que tinha pensado antes. Agora era minha cabeça fantasiando. Fui passando pelas mesas, pensando no que ia dizer, sentindo minhas mãos ficarem suadas e frias. Achei que ia dar meia volta e seguir meu caminho de fracasso. Pensei no velho ancião. Pensei em seus olhos. Vi seu sorriso. Faltava uma mesa somente. Sentar ou não sentar? Não errar, não estragar, não se lamentar!!! Fiz que ia sentar-me, tirei a cadeira do lugar, me aproximei , me agachei, olhei para ela e disse:
-Olá!
Foi então que algo de ímpeto ocorreu comigo. Tasquei lhe um beijo na boca. Tudo bem que não foi um longo beijo apaixonado, mas sim um selinho. A deixei sem reação. Olhou-me com os olhos arregalados, surpresa pelo fato ocorrido e não acreditando. Complementei:
-Espero esbarrar contigo amanha de novo! Levantei, dei um tchau e uma piscadela tosca (que podia ter guardado para mim), comecei a andar em direção da porta. Não pude deixar de triunfar naquele momento e bati a porta com força.
Sai do prédio ao anoitecer, sem nenhum sinal de neve no horizonte. Coloquei as luvas e o gorro, atravessei a rua e comecei a correr. Algo em mim tinha mudado e precisava contar para alguém. Pensei em relatar esse momento único, mas resolvi ir correndo contar para o ancião. No caminho pensei:
-Deveria ter anotado todas as dicas. Se continuar assim, estou satisfeito. Não preciso de muito.