sexta-feira, julho 28, 2006

O Azarado

Quando Pedro acordou, sua cara ardia. Pela fresta da cortina mal fechada, o sol do inverno atípico iluminava e fritava sua testa, bochechas e nariz. Não pensou duas vezes em se levantar da cama para aproveitar o dia que viria. Após um sábado estupendo, nada como um domingo para fechar o ideal de final de semana perfeito.

Sua leveza contrastou com um passo em falso. Em pé, indagou-se com que pé tinha pisado o solo. O esquerdo ou direito? Supersticioso sobre somente esta questão, pensou em desesperar-se. Controlando sua fúria contou ate dez em três diferentes idiomas. Gato preto, passar debaixo de escada, roupa branca e reveillon, nada o deixava mais cabreiro a não ser pé esquerdo ao acordar. Como não se lembrava, foi direto ao banheiro lavar-se, passar protetor solar e colocar a velha sunga batida do verão anterior. Com musica no ouvido, óculos escuros, sorrisos para dar e vender a todos que o olhavam no calçadão e com sua inseparável bicicleta usada, seguiu o rumo do ponto de encontro onde à turma se reunia há mais de uma década.

Pior que religião e futebol, era o seu lugar na praia. Não mudavam nunca. Exerciam o mesmo ritual todas às vezes. Tudo bem que sempre algo entrava na moda, como xadrez, seda de celulosa, mate de galão ou mesmo a sempre constante cervejinha, que na praia potencializa o pensamento. Tudo transcorria conforme manda o roteiro jovial do momento. Após o começo do declínio solstício, Pedro deu por encerrada sua participação naquele belo espetáculo da natureza e comunicativo como sempre fora. Deu adeus a todos com aquele sorriso sempre presente e maroto que escondia a mais terrível das vontades, urinar.

Andando em direção ao bicicletário reparou que sua “violeta andante” estava caída. Ao levantar, a primeira dor de cabeça: o pneu dianteiro estava completamente vazio. Teria ele furado? - pensou. Não satisfeito em dar a noticia a Pedro, a bicicleta dei outro sinal. Seu cambio automático de 18 marchas estava entupido de areia com pitadas de água salgada, potencializando assim a corrosão e plena destruição do seu meio de transporte.

O belo sorriso que Pedro estampava foi transformando em uma mistura de angustia, aflição e decepção, pois sua vontade de fazer xixi chegava a níveis intoleráveis e a água do mar teimava em bater seu recorde de frio. Impossível a entrada. Com as mãos atadas começou a andar os 7 km que separavam sua casa da praia. Tentou não se lembrar da vontade, mas tudo conspirava contra. Desde o chuá no tonel de mate ate o bater das ondas no fundo ao encontrar-se com o mar.

Pensando em uma maneira de distrai-se, começou a observar casais, crianças, skatistas e corredores. Pedro adorava esse exercício de adivinhar o que pensavam. Olhava para o rosto de cada um e começava a viajar. Mas algo o incomodava. Devido à miopia, o entardecer misturava as cores e as formas tornando a brincadeira uma dolorosa disputa ocular. Parou, abriu a mochila e pegou a caixinha onde guardava os óculos. Ao desdobrar os mesmos, mas uma sensacional surpresa. Ele, de suas mãos, partiu-se em dois deixando uma das hastes seguras enquanto as lentes batiam com força no asfalto quente. Pedro teve que se virar para que não quebrassem sua “visão”. Recolheu as partes, colocou no bolso do short. Recolheu-se a um ponto fixo no finito dos morros e continuou sua caminhada ate em casa, com o enorme desconforto de urinar.

Não bastando o pneu furado, o pedal da bicicleta teimava, de uma hora para outra, em bater e machucar tanto a canela quanto a panturrilha. Após três dentadas em cada perna, pensou em sacrificar seu veiculo em prol do alivio eminente. Por ser bastante racional, optou pela guarda e manutenção de seu veiculo de duas rodas.

Ao sair da praia, esperava-se que em quinze minutos estaria em casa. Cumpriu o percurso em quase uma hora. Exaurido, mas feliz por ter chegado, correu como um louco para urinar. Aos trancos e barrancos, acabou se prejudicando com o novo nó náutico que acabara de conceder, postergando em preciosos segundos, o ato expelidor. Fechou os olhos com tanto prazer, que não percebeu a direção e após vários outros segundos, viu-se inundado, por ter errado a privada. Já achara estranho não ouvir o barulho de encontro de águas.

Pedro limitou-se a rir sem parar. Quase um mantra ao contrário. Achando seu azar cômico, dentro de tantas alegrias que a semana o proporcionara foi limpar o que tinha feito e jurou para si que o xixi foi o estopim.

O tempo esfriara devido a inversão térmica e um banho ele procurou. Totalmente compenetrado, girou a torneira e entrou de primeira sem saber o que o esperava. O gás acabou e água congelava em suas costas e ardiam seus dedos.

terça-feira, julho 11, 2006

Sonho eterno que não vale acordar

(Tente ler, escutando NICE DREAMS, do album THE BENDS - 1996, do RADIOHEAD. Acho que fica interessante)

Frustrante seria se não tivesse tentado. Mas como ainda não aconteceu, a frustração ronda o ar.

O sono pesado se contrapôs a leve brisa que adentrava a janela do pequeno quarto. No pequeno sofá cama, a cabeça envolta no travesseiro, esparramada num canto pequeno da pseudocama, trazia nesse instante o mais inocente dos prazeres, o sonho. Naquele momento, em algum lugar que não poderia distinguir se era um vasto campo de flores silvestres, um banco de praça na grande metrópole ou muito menos, o visual de uma praia com o sol ao fundo, eu segurava sua mão. De uma maneira tenra e suave. Aquele gesto significava mais que qualquer coisa. No sonho, a cumplicidade era tamanha, que lembro do olhar que você me deu quando nos pegamos de mãos dadas, andando sem direção. Acredito ser o suficiente para colocar na minha cabeça algo positivo e que precisa ser destrinchado.

Foi a partir daí, que melindrosamente comecei a traçar um plano de ação no intuito de te conquistar. Confesso que iria ser extremamente difícil, meio que fora da realidade concisa que o ser humano tende a passar. Com pensamentos idealizados um pouco acima da superfície e gravidade, imaginei me contando essa espécie de delírio que presenciei. Não creio na salvação, mas sim no equilíbrio das histórias com inspiração.

Histórias essas sem sentido que tornam a vida um pouca mais difícil. Difícil, na questão da cumplicidade, na questão do flerte em si, na questão fundamental do olhar entre duas pessoas.

Enquanto verifico ao fundo o telefone que não tocará você, imagino a futura reação do meu convite inusitado na sua cabeça desestrutura e confusa de sentimentos não realizados, privando de encontrar no outro, substancia que te fará acordar melhor, sentir melhor e sorrir melhor. Te dou minha palavra (que petulância!), que algo em si ficará mais leve, os dias serão mais curtos na semana e mais longos no imaginário tenro que projeto para ti.

Se por acaso, estiver errado, pode ter certeza que junto sonhos, fantasias e as mais sinceras palavras numa pequena mala, levanto e sigo meu rumo sem olhar para trás, imaginando por um lado o que errei, mas por outro tendo a certeza que por algum momento te fiz feliz, que por algum instante te tirei o fôlego e por outro tanto o meu olhar para você valia muito mais do que todas as palavras dissertadas acima.

Pronto, posso ir-me.