terça-feira, setembro 30, 2008

Agulhas dermatológicas

Fazia frio naquela tarde chuvosa. Arregacei as mangas para não molhar mais a roupas Maldito guarda chuva furado. E porque não comprei um novo?, deveria me perguntar. Mas não disse nada. Pelas beiradas e pelas marquises fui caminhando sozinho na rua deserta. Chegando aquele portãozinho verde, toquei o interfone e uma voz idosa, pediu meu nome e idade. Para que a idade, retruquei. Não houve resposta do interfone. Toquei de novo e a voz idosa perguntou meu nome e idade. O mundo caia sobre minha cabeça. Era melhor dizer e pronto. Nilton, 32 anos, agora por favor abra a porta. Um barulho estranho fez com que a porta se abrisse. Eu, já ajudando a porta automatica, entrei rapido e nem esperei para ser fechada.
Lá dentro, o clima era agradável. Logo de primeira senti aquele cheiro de alfazema com cravo no ar. Pensei logo, malditos insensos indianos. O que é para apaziguar só faz aumentar sua alergia. Olhei para um lado, aquela pequena queda d’agua, feita como enfeite, jorrava sem parar, aumentando o barulhinho de agua caindo juntamente com a chuva que caia. Tentei secar o cabelo molhado balançando o couro cabeludo com as mãos. Algumas senhoras protestaram então parei, pedindo desculpas. Mas não queria.
A secretária de nome Gloria, prontamente, me indicou uma cadeira e me entregou um formulário. Além disso disse que as agulhas eram sempre descartáveis e o processo o menos doloroso possível. Balancei a cabeça, recebi a prancheta com o formulario e como de praxe, comecei a espirrar. Descontrolavelmente. Insensos indianos falsificados. Devem ter comprado na barraquinha da esquina e dizem que são importados das regiões remotas da malasia anglo-saxã (se é que isso existe). Na hora, senti o cheiro de cebola crua. E vinha da minha mão, por certeza. Aquele almoço não somente ficou pra historia, como ainda está presente na minha vida. Será que foi por isso que ninguem sentou ao meu lado no metrô? De qualquer maneira irei lavar quando chegar em casa, a noite. Até lá, o cheiro acabará, pensei mexendo nas unhas sujas de tanto amassar massa de bolo.
Glória, a secretaria chamou meu nome e disse minha idade. Para que diabos ela quer dizer para todo mundo a minha idade? De dentro de uma portinha azul clara, uma senhora loira repetiu minha idade, e me chamou para entrar. Entrei com receio e me deram um avental tambem azul claro. O cheiro, antes de alfazema, mudou para alguma coisa indecifravel. Fui atras da caixa e lá li lirios brancos afeminados. Ora bolas, interessante saber que os lirios másculos tem um cheiro diferente deste daqui.
Deitado numa maca, com o o avental a tiracolo, adentraram ao quartinho onde estava, quarto mulheres de jaleco branco. E logo se apresentaram e eu, como bom de nome, não decorei nenhum. Sorri amarelo e logo começaram a me tocar de uma forma médica. Apalparem meu punho, mexeram na minha cabeca, falaram frases que não entendi e apertaram meu tornozelo. Depois disso tudo, me perguntaram sobre o que me trazia aqui. Respondi, minhas costas me matam. Todas afirmaram com a cabeça e pediram para virar de bruço. Somente de cueca, já que o avental era aberto atrás, oito mãos mexiam nas minhas costas e eu, gostava. Disso, me mostraram agulhas descartáveis. Disse OK e começou um frenesi de frases misturadas em chines e minha lingua mãe, intercaladas com gritos de ui vindo de mim, a cada momento que as agulhas penetravam em algum campo do meu corpo. Depois de alguns minutos de sofrimento, arregalei os olhos e tentei contar as agulhas. Mais de vinte pude ver. Parecia uma estátua de pedra sem poder me mexer, deixando meu corpo inerte a qualquer movimento. Quisera eu que um mosquito não pousasse em mim. Também com aquele cheiro de lirios brancos, só um mosquito para lá de “Barbie” adoraria ficar naquele ambiente. Juntando com meu cheiro de cebola crua nas mãos era tiro e queda.
Mofei por meia hora, sem mexer nada. Intocável. Volta e meia aparecia uma das mulheres que esqueci o nome, e me perguntava se estava bem. Claro que não, todo picado, passando frio e incapaz de mexer o mindinho, sorri falso com os dentes amarelos de nicotina. Foi no que a senhora me respondeu: meu filho, contra o cigarro, essas agulhas não servem. Peraí, como a senhora advinhou que fumo? Ora está nos seus labios, disse ela sem ao menos encarar-me.
Por essa eu não esperava. Imóvel, sofrendo dilacerações morais pelo corpo, resignei-me a sorrir falso novamente e a fechar os olhos para que o mantra do ambiente penetrasse surdamente pelo reino das palavras. Palavras desconexas que não soube até agora o significado. Porem acabei voltando diversas vezes lá e a as agulhas que no começo teimavam a doer, agora não faziam sequer cócegas no meu corpo todo perfurado. Se alguem perguntava porque das crateras do meu rosto que tanto me angustiavam na adolescência, já sabia na hora o motivo: a Acupuntura.

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segunda-feira, setembro 08, 2008

Partidas e opostos

Perdemos o afeto que tínhamos conquistado, retrucou Marcos, impaciente na beira do cais. De certo, não enxergará novamente o rosto de Rosa, pensou Camila ao escutar aquela bomba. Mesmo se aquilo fosse somente um desabafo, a vida do dois já estaria sofrendo mudanças. Primeiro porque Marcos foi incisivo na sua colocação. Segundo, por Rosa ter acabado de partir naquele navio rumo `a África.

E eu estava lá, para ajudar e também me despedir. O que aconteceu com minha irmã nesses últimos meses nem eu saberia explicar. Com quase vinte e sete anos na cara, solteira, não poderia imaginar o que passava com minha irmã Rosa. De quieta e estudiosa, transformou-se num barril de pólvora, totalmente antagônica a tudo que um dia foi. E eu a caçula imitava seus passos desde criancinha. Quando ela era punk, eu fui também. Era engraçado como meus colegas me viam chegar na escola. Ou era cabelo arrepiado e pintado, ou senão cheio de miçangas, colares e cabelão. Todos os anos era uma alegria só.

Muitas me copiavam. Mas quando fui crescendo, fui me adaptando ao que realmente queria ser. Uma mulher livre, sedutora e de bem com tudo e com todos. Enquanto isso Rosa foi se adaptando perto de alguma coisa entre dondoca e atleta. Uma mistura de bem estar com certas frivolidades. Claro também, apos se afundar nas drogas, nos psicotrópicos e amalucar junto com a turma da faculdade, era mais que provável que procurasse a igreja evangélica como maior salvação. Mas assentou a vida ao conhecer Marcos numas dessas festas hardcore.

Era a primeira dele e a enésima dela. Ele, meio de lado, observando a todos e ela, no meio de todos, observando não faço idéia, depois de tanto álcool e drogas. No que ela foi caminhando sozinha para o banheiro. Isso é Marcos que conta. Tropeçou em Marcos , que a segurou firme e a levou ao banheiro. Do banheiro para o carro e do carro, para a sua casa.

Rosa acordou tarde naquele domingo. O sol batia fraco na janela cheio de adesivos. Ela se revirou e viu uma bateria vermelha reluzente e vários livros. Estava confusa e com gosto amargo na boca. Levantou subitamente e viu num pôster do Pink Floyd pregado na porta do quarto. Logo pensou que tinha sido seqüestrada. Mas não, viu Marcos parado na porta, com uma garrafa de água. Estendeu a ela, que bebeu meio desconfiada. Soltou um “meu”, do tipo o que faço aqui? Mas não tinha jeito, Marcos já a abordava com centenas de perguntas. É isso que Rosa conta. Na verdade, é isso o que ela contou. De uns dias para cá, seu relacionamento com Marcos foi se esvaecendo até ela tomar a decisão súbita de se mandar. Acho que foi aqueles romances tórridos que chegam em nossas vidas, fulminantes como um furacão, que te devastam internamente, te deixam sem chão. Entopem seus pensamentos com fantasias harmoniosas que tendem a curar qualquer sentimento de fracasso que você possa um dia ter.

Eu, quieta, no começo dos vinte, ainda aguardo uma oportunidade, de sentir isso e por poucos instantes deixar de ser aquela garota segura, para me entregar totalmente a um desejo inesperado de rebeldia, inconseqüência e total falta de pudor. Talvez seja a oportunidade para um dia olhar no horizonte e falar para mim: - Eu já sofri disso e não quero novamente.

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