domingo, fevereiro 24, 2008

A falta de foco

Olha pra frente, insistia Amanda. Eu tentava e tentava. Mas não tinha jeito. Por mais que tentasse, o movimento não me deixava acalmar. Tinha a percepção que há qualquer momento chegaria alguem para mim e me diria: Está feito! Pode ir sem culpa!. E eu, como num passe de mágica, agradeceria tudo aquilo e viraria um passaro. A voar, exclamaria. Para aonde? Tambem não saberia dizer. Queria fechar os olhos e pensar só na possibilidade de chegar no final. Final dos tempos. Final da vida. Que o momento presente fosse só um sonho. Colorido, não preto no branco. Tambem não queria cores fortes. Cores brandas de como foi todo o meu viver. Sensato, correto e honesto. Pelo menos até agora. 

E se não fizeste o certo, quem diria, fosse absolvido por todos ao meu redor com um pequeno sorriso e um aceno de cabeça. Era dessa maneira que acompanhava o caminho que percorria. Um frenesi tremendo que me fez alcançar um estado estérico. Não de gritar contra tudo e todos, mas de uma forma que não soubesse lidar com os fatores externos que sempre me acompanhavam.

De novo, o chamado insistente de Amanda: - Olha pra frente rapaz, não perde o foco. Mas como não perder? Como não olhar tudo que me rodeia. Tudo que vejo somente uma vez e nao sera a mesma coisa quando passa novamente. Então, porque não contemplar do jeito mais perene possivel. Devagar, insoóito e com paciência. Fora vejo a chuva que cai. Ela atrapalha a minha concentração. Meu campo de visão diminui. Não enxergo tão bem quanto antes. O medo de perder o foco me angustia. Sinto-me que de hoje não passa e o fim esta perto. Quero soltar um palavrão, mas nada me sai, A garganta seca, engasgada não conspira ao meu favor. A mão, antes trêmula, agora desfalece sobre a minha perna, a direita.

Não quero ajuda de Amanda. E ela tambem não esboça nenhuma reação. Tenho ódio de voce, penso pra mim. Mas tambem não quero te conhecer mais. Esse é o maximo que estaremos juntos. Voce não sera nada, acredite. Mas sei que terá grande valor. Pelo menos neste instante!
Mesmo com a chuva, suo. Minha cabeça ferve. Passo a toalha, e me pergunto o que estå acontecendo. Amanda, estou tentando manter a calma e sei que falta pouco. Olho para um lado e depois para o outro, a cabeça nem roda mais. Conto os minutos. Que tortura. 

Vejo que se aproxima. Percebo uma exaltação, um burburinho. Meu coração dispara. Aperto as mãos firmes, pareço que irei quebrá-las. Está lá tão bela vista se aproximando de mim. Vai ser agora, e sei que ninguem me segurar mais. Vou seguir em busca do infinito. Há chegado minha redenção. Quase desfaleço quando Amanda aperta minha mão e diz:

- Parabens, só errou uma vez, leve esse formulario ao segundo guiche e pode retirar sua carteira de motorista.

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terça-feira, fevereiro 05, 2008

Pelo Carnaval

Quando saiu de manha, viu que as gotas d’agua eram mais espessas que esperava. Puxou o ar para dentro dos pulmões e sentiu o ar arefeito que não deixava-lhe respirar com todo o afinco que necessitava. Pensou logo em ficar claustrofobico, mas algo dentro dele logo parou. Pois estava indo para um lugar tambem delirante, cheio e talvez com pouco ar para respirar. Deu bom dia ao porteiro e saiu gritndo: E carnaval!!!!
Vestido com sua fantasia de marinheiro, foi desfilando pelas ruas vazias do bairro onde morava. Nenhuma alma viva se candidatou para fazer o mesmo percurso que ele, o que fez pensar que iria curtir o carnaval na soletude de sua solidão. Entrou no onibus e seguiu vendo o passar das arvores e a imensidão cinza que não deixava a vista aparecer. Estava mais tranquilo, em relação a isso e foi cantando marchinhas carnavalescas até o ponto final, aonde desceu. Aí veio a primeira surpresa. Quando olhou para esquerda, ao subir a escadaria viu um mundo de guarda-chuvas e pessoas fantasiadas que nem ele. Eram baianas, colombinas, domésticas e mulheres que eram homens. Todos sacolejavam a esperar o desfile.
Enquanto a musica não começava, tive a cumplicidade de uma vendedora de cerveja que se postou ao meu lado. Veio logo me oferecendo a promoção do dia. Dois “latão” por cinco real. Realmente era tentadora. No meio daquele mundaréu de gente, um litro de cerveja iria me fazer bem rapidamente. Agradeci a gentileza da oferta e disse que no momento esperava por algo. Ela logo respondeu, que quem espera nem sempre alcança.
Alcança o que? Perguntei enfatico.
Ora marinheiro, nao sejas vago. Se estás atrás de alguma coisa, nao fique aqui conversando comigo e vá a luta. Enquanto falava tentava descobrir se aquela vendedora era gaúcha, portuguesa, ambos ou veio de alguma parte remota e antiga do Brasil. Lá dos anos 30, quando telefone ainda era com ph.
Enigmática você, retruquei, me veja logo esses dois latões e vou sair por ai.
Me passou prontamente, dois estupidamente gelados. E ao caminhar percebi que o latão era o must do carnaval. Aquilo que tinha inventado de mais precioso. Mas sinceramente, beber sozinho não era uma tarefa agradável. Afinal de contas, bebo lento, devagar e em pequenos goles, de preferencia com um amendoim na outra mão, de uma forma viciante. Entao o latao iria ficar quente logo logo. Decidi repartir aquela cerveja, me apresentando como marinheiro Popeye. Quando me perguntavam da Olivia, dizia que não gostava de carnaval. Quando era do Brutus, avisava que no final do bloco não sobraria pedra sobre pedra. Quando era sobre o espinafre, mostrava o muque, com uma âncora pintada e fazia bip bip, que era uma alegria só. 
Enquanto conversava, o latão ia se esvaziando, ao contrário do meu estado de espirito que aumentava cada vez mais. O hilário foi quando me perguntaram sobre o Dudu. Confesso que demorei horrores para descobrir do que aquela menina estava me perguntando. Devia ser viciada em desenho. Pensei, pensei e logo respondi: Está fazendo seu carnaval particular no Mc Donalds. Ela sorriu, começou a acompanhar a musica Aurora e sumiu pela multidão.
De repente me vi no meio de toda aquela gente e lembrei-me da claustrofobia que quase me impediu de curtir o bloco. Ora pensei, que coisa mais boba e infantil. Se por acaso passasse mal aqui, seria socorrido na certa, quem sabe até por uma colombina extremamente graciosa que veria meus encantos debaixo dessa fantasia naval? Isso não aconteceu então seguimos pelo bloco passando por todos com alegria e desenvoltura. 
Coloco a mão no bolso e descubro uma garrafinha de agua, mas com cachaça. Continuo minha peregrinação por dentro daquele ambiente, sem ter rumo certo e sem ter tempo certo. Fiquei dançando ate o ultimo gole acabar, até todo o sambar terminar, esperando o proximo dia raiar. 
Mas ele nao raiou porque choveu. Peguei meu guarda chuva, coloquei a fantasia e me policiei para nao deixar a claustrofobia terminar com a terça feira de carnaval.



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