quinta-feira, novembro 02, 2006

Quando ela estendeu o braço...

Quando ela estendeu o braço, gelei. Como ela teria cedido aos meus apelos? Quando durante semanas, numa quarta feira chuvosa ela ia dizer:
- Tá bom, meu caro, o que faremos?
Perai! Isso eu não tinha pensado ainda. Não contava no manual, como poderia me sair dessa. Fiquei sem voz e gaguejei: c-c-com-como assim, vo-vo-você aceita? Ela riu alto, seu sorriso aberto iluminou a varanda aonde nenhuma estrela se apresentava. Como tudo que é bom dura pouco, pedi a ela um minuto de tempo, pedi que congelasse por um instante que tinha de conversar comigo mesmo. Ela achou esquisito, na verdade muito esquisito. Mas vindo de mim ela relevou. Bebeu um pouco de água e parou numa posição bastante confortável. Braços cruzados, perna estáveis pendendo mais para direita, cabelo escorrido para trás. Nossa, como estava linda. E congelou!
Virei para mim mesmo e soltei uma palavra que realmente não imaginava:
- FODEU! Logo agora? Não me preparei... Será que cheiro bem? Será que essa noite eu acabo grudado nela? Será que ouvirei solos de trumpete pelas esquinas distantes de minha casa? Será? Simplesmente Será?????
Comecei a indagar um jeito incisivo, normal e blasé, para achar aquela situação corriqueira e responder a ela com um jeito malicioso. Que jeito malicioso nada, estava tremendo na base. Boca seca, respiração ofegante, suor jorrando pelas têmporas. Capaz de me afogar em mim. Era mais fácil chamar uma ambulância resgate do que me decidir para aonde ir.
Envoquei os deuses. Desde os primórdios. Chamei Moises, Jesus, Maomé, Padim Cicero, Shiva, Hare Krishna Hare Hare. Gritei Namaste quinze vezes, ajoelhei outras sete, me benzi outras dez, subi a escadaria de joelho sobre cacos de vidros poídos. Prometi que não comeria carne vermelha e raspava a cabeça. Calma aí!, raspar a cabeça é um pouco complicado. Já não sou galã. Imagine sem cabelo... ia parecer um ovo. De páscoa, pela cor do meu couro cabeludo. Chocolate Branco Lacta. Só faltava o embrulho celofone.
Comecei a indagar-me:
- Mas se não comer carne vermelha, o que farei nos churrascos, alem do pão de alho? Ato falho para ficar perdido em pensamentos enquanto o pagode rola solta. Nunca tinha percebido isso, ninguém a sua volta, ninguém pedindo um gole de sua cerveja bebida no gargalo. Maldito alho! Não posso largar a carne vermelha. Pelo churrasco acima de tudo.
Ela continua estática na sua posição, volto a contemplá-la. Pretendo dizer que aceito sim. Mas quem diz que a voz sai? Saio a procurar um bala para salivar, mas quem disse que as outras pessoas continuam suas vidas se parei o tempo para contemplá-la. Penso em flores, arbustos, o mundo para continuar tendo aquela visão. Volto ofegante subindo as escadarias que minha imaginação montou. As mesmas que subi ajoelhado, agora ensanguentada pela visceral cor vermelha de meu sangue azul de duque. Chego bem perto dela e balanço a cabeça para cima e para baixo, fazendo coreografia do “sim”.
Os deuses sentados na beirada da varanda riem, muito por sinal, das trapalhadas amorosas que tento não fazer na frente dela. Fazem apostas com dinheiro de se conseguirei ou não ter o compromisso do convite. Cada um quer me dar uma opinião diferente para que faça a coisa certa. Mas se seguir os conselhos, como saberei se eu mesmo quero encostar minha boca em seus lábios? Olho para trás, fitando-os . Se assustam com meu olhar perverso de um olho semi cerrado e o outro com a sobrancelha levantada dando um charme extra para cena que se passa. Nesse momento, ansio por uma chuva que possa varrer toda a informação desnecessária para eu procurar a verdade da resposta. Não é que ela cai? Inclusive torrencialmente sobre eles que ficam encharcados e começam a deparecer de minha frente, cada um de sua maneira peculiar. Deixo vocês imaginarem como cada um foi se indo.
Ela pigarrea ram ram, como se quisesse atenção e uma resposta. Dou meia volta e a fito. Seus olhos demonstram tudo o que passou. Só preciso dizer sim, o resto é consequência. Já é sabido que ficarei com a perna bamba, com a boca seca, com os olhos arregalados por cada coisa nova. E lendo nos manuais de auto ajuda, não dando a atenção devida mas prestando todo o ouvido na conversa, usarei a meu favor como “super trunfo” num futuro não muito proximo quando por acaso precisar fazer essa mágica imaginária que só acontece em nossa cabeças frações de segundo.
Por isso, quando ela me perguntou de novo e estalou seus dedos na frente de meus olhos, baixei a cara, dei uma risadinha, corei o rosto e perguntei para onde vamos.




PS: Escrito com os ouvidos antenados no som de Madeleine Peyroux.