domingo, outubro 19, 2008

Em cena

- ...Do alto, eu enxergo que nosso amor simplesmente acabou. Como folhas secas que teimam em cair no outono gélido dessa cidade, eu suplico que me dê mais uma chance para que possa demonstrar todo o apreço que sinto por você. Sinto falta do seu cheiro, de sua pele, dos seus sussurros e é duro falar, do seu sorriso...
- ...Parafraseando um grande escritor..... que esqueci o nome!!!! Porra, não consigo me concentrar.
- Calma Clovis. Sua entonação estava boa, sua posição também. Manteve o corpo ereto desde o principio. Apreciava o modo como gesticulava. Eu, mesmo, estava condizente que o amor que perdera era real.
- Mas não era, meu caro. Tento há dias, concentrar-me no texto que me é pedido, e não consigo sequer, pegar o tom da palavra final que o homem, cercado pela desilusão entrega-se as coisas ruins da vida e se afunda no submundo.
- Clovis, preste atenção no que irei te dizer. Mas somente uma vez. Não quero mais passar tanto tempo explicando uma coisa que você, meu caro, já sabe desde quando começaste. E isso não foi ontem. Desculpa, já faz anos.
- Eu sei, eu sei. Isso que mais me intriga. Já estou ambientado com o cenário, com figurino, com as luzes e com tudo. Como estava te falando.... Bom dia Dona Gertrude, os filhos vão bem?.... o processo que me encontro é que está errado. O sentimento, que preciso transparecer do personagem, não está convicto. Qualquer pessoa com um pouco de sensibilidade notará que soa mentira tudo que sai da minha boca.
- Ora Clovis, que dramalhão é esse, meu rapaz? Você foi capaz de coisas belas naquela outra semana. Se lembra como estava difícil para encontrar o tom. Aquela problema do dia anterior foi sanado, e você só não foi aplaudido pelas arvores e pássaros por que eles não possuem mãos. E agora, aflito sobre esse texto, acha que o mundo acabou, que não serve para dizer mais nada e irá se resignar.
- Realmente você não está entendendo.... opa seu Gerson, dia bonito não? Será que chove?... Mas voltando a vaca fria. Se o processo é visto de um maneira clara, não será eu, que irei transformá-lo numa coisa histriônica, difícil de ser compreendida. Você já comentou das arvores e dos pássaros. Vai dizer daqui a pouco que os bancos da praça irão se mover da tamanha delicadeza que foi encontrada nas minhas palavras.
- Agora chega!!!! Concentra no texto, não posso ficar mais tempo me degladiando com você, sobre algo que você sabe e está com preguiça de reproduzir. E também não adianta você colocar culpa nos outros que te cumprimentam.
- Eu te digo uma só coisa. Esse negocio de amor é difícil. Incompreensível, e eu nunca vou deixar me levar por essa onda. Por isso que mantenho meu espectro centrado no trabalho e não deixo nada interferir.
- Como não? Agorinha você se desconcentrou só porque desarrumaram o que você juntou. Não devia deixar-se levar pelo que os outros dizem.
- Porra, eles só disseram bom dia.
- Por isso mesmo. Vamos lá. Foco, eu quero é foco. E para de choramingar e continuar a varrer a rua porque daqui a pouco vão reclamar. Você sabe como é rua de intelectual.