sexta-feira, dezembro 26, 2008

Janela Indiscreta

Certo que há semanas as luzes do prédio em frente ao meu ficavam acesas durante todo o dia e também durante a noite. Sempre quando chegava de madrugada vindo de algum lugar, a claridade daquele apartamento sempre iluminava meu corredor, tornando mais fácil minhas idas ao banheiro e ao quarto. Mas havia naquela claridade algo que me incomodava.

Nas primeiras vezes resmunguei que aqueles deviam ser sócios da companhia elétrica, pois não estavam a par do gasto astronômico. Com o passar dos dias, minha cabeça começou a imaginar outras funcionalidades para aquele apartamento. Poderia ser uma empresa que trabalhava dia e noite, uma central de farmácias quem sabe, ou um banco de investimento que operava tanto as bolsas de Tóquio, Hiroshima Nagasaki como as bolsas de Nova York, Ohio Texas. Depois de uma brilhante dedução que não se passava de um grupo de arapongas do governo espionando a lavanderia clandestinas de algumas moças do nordeste brasileiro que não pagavam impostos, comecei a relaxar e fui comprar alguns limões para complementar a minha bebida do momento, gin Tonica.

Passando pelo mesmo prédio, naquele começo de noite, vi as luzes do apartamento piscarem três vezes para mim e ainda assobiar fiu-fiu. Pisquei de volta tonto com o flerte indecente que aquele conjunto de janelas esbranquiçadas me fizera. Resolvi apertar o passo e ainda sofrendo daquele flerte acabei trazendo lima da pérsia ao invés de limão. E não é que ficou bom?

Chegando em casa suado de tantas peças de roupas juntas decidi me despir e respirar o ar puro da cidade poluída que morava naquele inverno rigoroso no hemisfério norte. Para minha total surpresa, vi que no apartamento existia um homem ou mulher. Não estava certo sobre o que era devido ao cabelo grande que caía sobre os ombros daquela pessoa. Porem o bigode ralo no canto da boca me deixava mais intrigado.

Temendo por minha própria integridade física, resolvi ligar para a pizzaria e pedir uma pizza media de portuguesa, sem azeitonas, que retifiquei no telefone. Perguntaram me sobre a bebida e respondi que por agora ficaria com meu gin Tonica. Me deram o prazo de 30 minutos. Retruquei dizendo que nessa meia hora algo de muito ruim pudesse me acontecer. E foi o que aconteceu. Aquela maldita coxinha que comi ontem a noite estava fora da validade já que a guardei juntamente com as frutas na fruteira.

A campainha tocou no momento que saia do banheiro aliviado. Antes de abrir a porta notei que as luzes do apartamento de frente estavam apagadas. Temendo o pior, pedi para o entregador se apresentar deixando a pizza de lado, num numero circense de um minuto. Estranhando meu pedido, mas de acordo com o slogan da pizzaria de que fazem qualquer pedido, começou a dançar um folclore russo que a cada batida de palmas era acompanhada com um HEY!

Malditos russos, logo pensei. São eles que estão por trás de todo o desperdício de energia elétrica da cidade. E não eram os gatos que saiam no jornal vespertino. Achei melhor contar para alguém. Como já era tarde, voltei me ao entregador de pizza, dei-lhe o dinheiro e ainda insisti para que ficasse com o troco. Num português capenga ele me agradeceu sem antes me entregar um envelope vermelho. Temendo ser uma carta bomba, peguei as luvas de borracha e com cuidado abri o envelope. Surpreso ao ver que dentro só havia um panfleto com os novos sabores da pizzaria, rasguei-o com toda a raiva do mundo execrando a todos que me renegaram um desconto na compra da próxima pizza.

Desconfiado porem enfastiado, resolvi me concentrar na janela fazendo sinais específicos para aquela claridade toda. Com o livro de código Morse ao meu lado, demorei cerca de uma hora para transmitir toda a mensagem aos arapongas. Eles responderam rapidamente, mas só fui descobrir na outra manhã debruçado sobre os livro na mesa que aquilo tudo que mandaram dizia:

- Obrigado pela receita. Faremos esta noite. Está convidado.

Não pensei duas vezes, sai de casa correndo até a loja mais próxima e comprei um belo terno azul turquesa sem listras. Fiquei imaginando o que seria do meu jantar de hoje se aquelas intermitentes luzes do apartamento da frente estivessem desligadas nos finais de semana.

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quinta-feira, dezembro 11, 2008

Verbos II

Posso.
Posso, mas não quero.
Tenho.
Tenho, mas não possuo.
Peço.
Peço, mas não consigo.
Vivo.
Vivo, mas não sinto.
Sofro.
Sofro, mas não resolvo.
Verso.
Verso, mas não fraseo.
Beijo.
Beijo, mas não abraço.
Diga.
Diga, mas não fuja.

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