sexta-feira, setembro 22, 2006

A procura do soneto

De fato não queres vir
De concreto não queres ver
Portanto só sabe punir
Tudo aquilo que pretendo florescer.

Não me atendes, nem me chama,
Ignoras o meu viver
Choro forte pela trama
Incompleta de sofrer.

É torto, latente e visceral
O caminhar sem rumo sempre à mercê
Na real procura por você.

Por mais que a alma desespere
A cara emburre e se altere
O coração é grande, por isso me espere.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Loucura fotográfica

Mammy: Vamos filho!

Filhinho: Não quero!

Mammy: Por que essa negação agora?

Filhinho: Não quero!

Mammy: Mas filhinho, sorria para a câmera! Olha o passarinho!

Filhinho: Ai que ódio! Pará com isso!

Mammy: Eu não to fazendo nada. Só quero que você sorria. É pedir muito? É isso?

Filhinho: Não, não e não! Pronto, chega. Assunto encerrado!

Mammy: O que foi? Conta para a mamãe! São seus dentes...

Filhinho:O que há de errado com eles?

Mammy: Seus dentes que caíram.

Filhinho: HAHAHAHA. Eles já caíram há muito tempo, já nasceram outros...

Mammy:Nasceram sim. Tortos, mas consertáveis.

Filhinho: Obrigado mãe, bota dois anos de terapia aí.

Mammy: Não entendo o sarcasmo...

Filhinho: Não entendo o seu!

Mammy: Tá! Vamos parar com isso. Sorria!

Filhinho: Não vou.

Mammy: Por que meu filho? Você está tão bonito.

Filhinho: Vem cá, eu vou ter que ir embora? Você sabe que não posso ficar nervoso, por causa da pressão...

Mammy: Só se for pressão atmosférica, porque aqueles remedinhos não conseguem te fazer nem gritar.

Filhinho: Então eu vou parar de tomar e a senhora irá ver como se faz para atazanar a vida dos outros.

Mammy: OK OK! Não falarei mais nada para você.

Filhinho: Isso mesmo! Já estou cansado de escutar suas zombarias recheadas de “amor”.

Mammy: Amor materno, meu filho! Veja se seus irmãos reclamam?

Filhinho: Claro que não. Nossa que horror! Michael está na Europa e James já morreu. Há oito anos!!! Que absurdo, mamãe!

Mammy: Absurdo é você não deixar se fotografar.

Filhinho: Não com esses trajes ridículos.

Mammy: O seu?

Filhinho: Não. Desse que está ao seu lado!

Mammy: Ah! Mackenzie? Mackenzie é ajudante.

Filhinho: Ajudante de que?

Mammy: Almoxarifado Intelectual.

Filhinho: O que? O que seria almoxarifado intelectual?

Mammy: É como chamam as novas bibliotecas. Sabe-se e encontra-se tudo lá, e Mackenzie organiza.

Filhinho: As estantes e pastas?

Mammy: Não. As idéias...

Filhinho: De quem?

Mammy: Dele.

Filhinho: hãããã?

Mammy: Ah filho, pare de melindres, sorria para mim.

Filhinho: Pede para o Mackenzie.

Mammy: O Mackenzie não pode.

Filhinho: Como não?

Mammy: Faz tempo que comeu feijão e ficou um caroço preso no dente da frente.

Filhinho: Então tira!

Mammy: Não pode. Mackenzie diz que se suicida se mexerem sem seus dentes. Já até nos acostumamos.

Filhinho: Então pense em mim, com o mesmo problema que o Mackenzie.

Mammy: (rindo) Filhinho, sei que você não comeu feijão. E você sempre escovou os dentes.
Filhinho: Só os de baixo, só os de baixo!

Mammy: é mentira. Mentira! MENTIRA!

Filhinho: Pára mãe. Chega de escândalo.

Mammy: Mentira. Mentira!!!

Filhinho: Mãe, se acalma. E vou chamar os guardas.

Mammy:Chama, chama. Eles me ajudam a fazer você sorrir.

Filhinho:Como? Serrando minha boca?

Mammy: Não, com cócegas!!!

Filhinho: ......

Mammy: (Silêncio)

Filhinho: Mãe, isso não vale. Isso é chantagem.

Mammy: Pode chamar como você achar melhor. Eu quero que você sorria para a câmera.

Filhinho: Mãe, pelo amor de deus, isso não é uma câmera. É uma caixa de fósforos.

Mammy: Não minta filhinho. Não minta. Mackenzie confirma para ele? Vai, confirma?

Filhinho: Mãe! Chega!!!! O Mackenzie não fala. Pára com isso! O Mackenzie nem tem dentes.

Mammy: Ah é, então o que é isso?

Filhinho: Isso daqui é espuma mãe! O Mackenzie é um urso de pelúcia. P-E-L-U-C-I-A.

Mammy: NããããããããO!

Filhinho: Chega dessa baboseira. Não vou sorrir para câmera nenhuma. Estou de saco cheio de posar para fotos. Você tem zilhões de fotos minhas. Desde quando era um embrião até hoje em dia. Vá dormir!

Mammy: Vou mesmo. Filho desnaturado!

Filhinho: Não! Eu vou dormir. Você fica aí na frente das grades, que eu e o Mackenzie vamos nos recolher. Apaguem as luzes, apaguem as luzes.

Filhinho: Viu Mackenzie, cada situação embaraçosa que a gente passa. Boa noite!

quinta-feira, setembro 14, 2006

Banquinho e violão

Perfeitamente acomodada em sua cama, A. disse não algumas vezes para suas amigas. De certo ainda tinha resquícios do cheiro de perfume aveludado que teimava em sair do quarto. Tudo remetia a ele e isso a intrigava. Suas amigas tiveram de se reunir e decidir que só parariam de ligar e cutucar A., se ela tomasse jeito e fosse curtir o show daquele cantor mineiro que se apresentaria no barzinho preferido de sua turma. Tudo a enojava, tudo a deixava sentimental demais. Não queria forçar a barra. Maldita hora que ele viajou e deixou que meus sonhos se tornassem estranhos devaneios, perdidos na imensidão oculta da minha imaginação.

Cansei, nem eu agüento mais a voz de minhas amigas tagarelas me chamando para sair e assistir o maldito show. Cedi, isso mesmo cedi. Para que ficar escutando toda hora: Vamos A. você ira adorar...? Eu entendia: Vamos A., esquece o dito cujo que viajou... Patético foi a cena delas comemorando a vitória parcial de uma simples noitada de sexta feira. No fundo, já estava enjoada de ver filmes até o amanhecer de sábado, fumando compulsivamente.

Eis que o sol da sexta feira se põe e todas elas eufóricas, já estão aqui em casa se embelezando, cantando as musicas preferidas e apertando incessantemente o repetir do disco. Até eu já cantarolava as musicas sem ao menos entendê-las. Minha cabeça ainda estava no dito cujo traiçoeiro que me trocou para estudar français e ser livre. Tomara que esteja entupido de baguete e que se afogue em vinho chardonnay!!!! (È mentira tá! Ainda gosto dele). E não é que no carro as musicas continuavam sem parar? O alívio da chegada foi diretamente proporcional a minha ultima transa com o dito cujo. Maldito, que veio me contar essa novidade estúpida quando deliciava-me com meu cigarro.

Sentamos todas juntas, na frente do palco. Elas compraram há tanto tempo, que conseguia enxergar os cravos que a base escondia na maquiagem do cantor, se quisesse. Pediram para descer a garrafa de whisky, amendoim e uma porção de nachos. Já que estava ali, acompanhei toda a comilança. Luzes se apagam, gritos histéricos, assobios aterrorizadores, gritos de guerra, como ‘Lindo, tesão, bonito e gostosão!”, embrulharam meu estomago. Por um momento quis sumir e voltar para debaixo do meu edredom. Por um momento, ok? Porque foi só ele entrar e testar o microfone que meu coração se desmantelou. Pensa em pétalas de lírios brancos caindo uma por um,a sobre um vasto riacho de água cristalina? SOU EU NESTE MOMENTO!!!! Comecei a suar compulsivamente, minha boca secou. Bebi num gole a dose de whisky e pedi mais. O jeito como segurava o microfone, o jeito que olhava para platéia, o jeito que pedia mais som. Fiquei hipnotizada!!! Claro, consegui não pensar no dito cujo por 3 minutos. Era recorde mundial. Estava fascinada. As musicas começaram e meus olhos não o deixaram mais em paz. Devo ter sugado a beleza interna e externa dele, pelo simples fato que me fortalecia cada vez que batia o olhar. Paixão. Defino isso como paixão. Gritava lindo, tesão,... te quero demais. Cheguei ao ponto das mais bagaceiras. Minhas amigas chegaram a se esconder e ficar com vergonha de mim. Que se explodam, pensava eu.

Às vezes ele ajeitava o banquinho, testava o funcionamento do violão. Roupa combinando, visual básico, cabelo longo, barba por fazer... Não podia querer outra coisa. Só visualizava seu cheiro. Se cheiro pode se visualizar! Por assim fiquei durante exatamente duas horas. No bis, queria que acabasse. Tinha que falar com ele o mais rápido possível, senão não iria agüentar.

Levantei-me correndo e fui em direção ao camarim esperá-lo. Como o show ainda rolava, os seguranças não perceberam. Isso foi ótimo. Tive o tempo de pensar, pensar, esfriar a cabeça e dosar as palavras que sairiam da minha boca. Ouvi lá de longe os aplausos e mais aplausos. Estava chegando a hora. Minhas amigas não paravam de ligar e mandar torpedinhos no celular. “Miga, cadê você. Show antológico!!! Te adoro!!! Vem logo!” escreviam elas. Para os diabos com “Miga”, eu o quero, pensava eu, cada vez mais certa. Ele demorou a vir. Avistei lá de longe. Carregava diversas coisas e vinha com o ar despreocupado, cara típica de dever cumprido. Ao passar por mim, acenou com a cabeça e não resisti. Peguei-o com força e pressionei o contra a parede. Ele ainda no susto, nada fez. Fui chegando devagar com a boca em seu ouvido. O cheiro de perfume abria os poros do meu corpo e me arrepiavam. Fui chegando até que sussurrei: quero muito te conhecer, está aqui meu telefone. Coloquei um papel com meu telefone. Dei-lhe um beijo caloroso e voltei correndo para minhas amigas. Certa que tinha feito a coisa certa. Certa que o dito cujo não pressionaria mais meus dias.

Quem diria eu C., dona de mim mesmo, completamente transtornada pelo holder do cantor....

quarta-feira, setembro 06, 2006

583 - Cosme Velho - Leblon

Um homem se aproxima da única mulher que se encontra no ponto de ônibus. Já está escuro e faz muito frio, devido ao vento gélido.

HOMEM: Frio?

MULHER: Pô, bastante.

HOMEM: Quer que te abrace?

MULHER: Como é que é?

HOMEM: É, abracinho caloroso. (chegando perto da moça)

MULHER: Peraí, nem te conheço. Que petulância!

HOMEM: Petulância seria se passasse por você gritando gostosa ou se apertasse seu bumbum... Estou sendo romântico!

MULHER: Romântico? (riso alto) Não consigo ver nada de romântico nisso que você fez. Pelo contrario. Da onde já se viu alguém do nada, chegar e te cantar. Por acaso, você vê um bar, com musica eletrônica e luzes piscando sem parar, de todas as cores?

HOMEM: Não...

MULHER: Então?

HOMEM: Então o que digo eu! Posso te abraçar ou não? Um abracinho leve, de amigo. Podemos nos esquentar juntinhos (com sorriso maroto)...

MULHER: Nem pensar. To cheia de pressa, com a cabeça a mil. Aí aparece um qualquer... (é interrompida)

HOMEM: Um qualquer não!!! Tenho nome, endereço e sonhos...

MULHER: AHAHAHAH? Sonhos? Isso todos temos. Fale um?

HOMEM: Fico envergonhado expondo meus sentimentos. Que tal um abraço?

MULHER: Que abraço, criatura!! Você não vê que esta me importunando? Não é possível... Frio, chuva, vento, sem carro, mal paga e ainda sendo importunada... Vou encontrar minha avó nadando em dinheiro quando chegar lá em casa (falando sarcasticamente).

HOMEM: Posso te acompanhar. Quem sabe conto um sonho que tenho. É tão bonito. Começa comigo caminhando por uma bela praia deserta e lá no final vejo luzes e coqueiros belíssimos...

MULHER: OK. Continua!

HOMEM: Ao acompanhar você eu desenrolo a história.

MULHER: Ah Me esquece!!! (Ela se desloca no ponto para uma área descoberta e que chove)

HOMEM: (Ele grita lá da parte coberta) Vou caminhando, deixando minhas pernas serem sugadas pela areia fofa, da maré baixa. Tatuís e caranguejos somem da minha frente num ballet misturado com um frenesi que jamais tinha visto. No fundo bolero de Ravel....

MULHER: (Ela se aproxima interessada) Interessante.

HOMEM: É, né? Sonho com isso quase todas as noites.

MULHER: eu também tenho vontade de sair dessa cidade, desse frio. Ir para o Nordeste. Ficar dançando ate o amanhecer. Do xaxado, ao rock, do axé ao piriripompom. Sempre quis ser dançarina, mas hoje sou assistente geral de caixa ali no supermercado.

HOMEM: Oba, aqui do lado. Vou te visitar! E tomaremos um suco.

MULHER: Visitar, nada. Que isso? Alem de maluco, é perseguidor. Sai para lá.

HOMEM: Nossa, você treme toda. Só porque te conheci a cinco minutos no ponto acha que vou te atacar. (risadas altas) Só quero conversar.

MULHER: Tá bom! Tá bom. E que hoje só tem maluco nessa região.

HOMEM: Não exagere, só porque o hospital psiquiátrico fica nessa região.

MULHER: É pode ser. Às vezes, tenho uns ataques preconceituosos, mas sem intenção nenhuma, sabe? Essas noticias que a gente escuta no rádio. Sabe, fico dentro daquele supermercado o dia inteiro, sem ver a luz do sol. Com pessoas de diversos padrões só comprando e comprando...

HOMEM: Sei. Sei (desconfiado de algo)

MULHER: ... E eu lá. Indefesa, vendo o mundo passar na minha frente. Fico tão angustiada. Tão a mercê da corporação. Teve um dia que achei que ia ser engolida por toda a seção de laticínios do super. Ahhh desculpe, é super como chamo carinhosamente o supermercado....

HOMEM : ... (sem fala. Espantado)...

MULHER : .. Imaginei sendo devorada por potes de requeijão. Fugia e quase me afogava nos iogurtes. E não eram naturais. Era uma mistura de frutas vermelhas, mamão com laranja, bio fibras e active, que tornava sua densidade grossa e espessa como área movediça. Conseguia fugir também! Mas as traiçoeiras margarinas jogavam seu conteúdo no chão, para que eu escorregasse e batesse com a cabeça. Um horror... Dois clientes e um ajudante de almoxarifado conseguiram me conter porque gritava tanto, que ninguém escutava as ofertas pelo alto-falante. AHHAHAHAHA (risos altíssimos) ...

HOMEM: (rapaz atônito balbucia algumas palavras)

MULHER: Fiquei tão desesperada. Foi horrível, comecei a achar que o problema era comigo (nessa hora a mulher transparece carência afetiva demais, fala com a voz amargurada). Me dá um abraço?

HOMEM: como é que é? Abraço? Nossa!!! Olha meu ônibus. Ele chegou, como ele é rápido. Deixa para a próxima... (sobe correndo o ônibus)

MULHER: E vamos para Iguaba, dia desses. Curtir uma praia, a lagoa, uma cerveja ou suco... Dançar um forró juntinho. Que tal?