quarta-feira, setembro 06, 2006

583 - Cosme Velho - Leblon

Um homem se aproxima da única mulher que se encontra no ponto de ônibus. Já está escuro e faz muito frio, devido ao vento gélido.

HOMEM: Frio?

MULHER: Pô, bastante.

HOMEM: Quer que te abrace?

MULHER: Como é que é?

HOMEM: É, abracinho caloroso. (chegando perto da moça)

MULHER: Peraí, nem te conheço. Que petulância!

HOMEM: Petulância seria se passasse por você gritando gostosa ou se apertasse seu bumbum... Estou sendo romântico!

MULHER: Romântico? (riso alto) Não consigo ver nada de romântico nisso que você fez. Pelo contrario. Da onde já se viu alguém do nada, chegar e te cantar. Por acaso, você vê um bar, com musica eletrônica e luzes piscando sem parar, de todas as cores?

HOMEM: Não...

MULHER: Então?

HOMEM: Então o que digo eu! Posso te abraçar ou não? Um abracinho leve, de amigo. Podemos nos esquentar juntinhos (com sorriso maroto)...

MULHER: Nem pensar. To cheia de pressa, com a cabeça a mil. Aí aparece um qualquer... (é interrompida)

HOMEM: Um qualquer não!!! Tenho nome, endereço e sonhos...

MULHER: AHAHAHAH? Sonhos? Isso todos temos. Fale um?

HOMEM: Fico envergonhado expondo meus sentimentos. Que tal um abraço?

MULHER: Que abraço, criatura!! Você não vê que esta me importunando? Não é possível... Frio, chuva, vento, sem carro, mal paga e ainda sendo importunada... Vou encontrar minha avó nadando em dinheiro quando chegar lá em casa (falando sarcasticamente).

HOMEM: Posso te acompanhar. Quem sabe conto um sonho que tenho. É tão bonito. Começa comigo caminhando por uma bela praia deserta e lá no final vejo luzes e coqueiros belíssimos...

MULHER: OK. Continua!

HOMEM: Ao acompanhar você eu desenrolo a história.

MULHER: Ah Me esquece!!! (Ela se desloca no ponto para uma área descoberta e que chove)

HOMEM: (Ele grita lá da parte coberta) Vou caminhando, deixando minhas pernas serem sugadas pela areia fofa, da maré baixa. Tatuís e caranguejos somem da minha frente num ballet misturado com um frenesi que jamais tinha visto. No fundo bolero de Ravel....

MULHER: (Ela se aproxima interessada) Interessante.

HOMEM: É, né? Sonho com isso quase todas as noites.

MULHER: eu também tenho vontade de sair dessa cidade, desse frio. Ir para o Nordeste. Ficar dançando ate o amanhecer. Do xaxado, ao rock, do axé ao piriripompom. Sempre quis ser dançarina, mas hoje sou assistente geral de caixa ali no supermercado.

HOMEM: Oba, aqui do lado. Vou te visitar! E tomaremos um suco.

MULHER: Visitar, nada. Que isso? Alem de maluco, é perseguidor. Sai para lá.

HOMEM: Nossa, você treme toda. Só porque te conheci a cinco minutos no ponto acha que vou te atacar. (risadas altas) Só quero conversar.

MULHER: Tá bom! Tá bom. E que hoje só tem maluco nessa região.

HOMEM: Não exagere, só porque o hospital psiquiátrico fica nessa região.

MULHER: É pode ser. Às vezes, tenho uns ataques preconceituosos, mas sem intenção nenhuma, sabe? Essas noticias que a gente escuta no rádio. Sabe, fico dentro daquele supermercado o dia inteiro, sem ver a luz do sol. Com pessoas de diversos padrões só comprando e comprando...

HOMEM: Sei. Sei (desconfiado de algo)

MULHER: ... E eu lá. Indefesa, vendo o mundo passar na minha frente. Fico tão angustiada. Tão a mercê da corporação. Teve um dia que achei que ia ser engolida por toda a seção de laticínios do super. Ahhh desculpe, é super como chamo carinhosamente o supermercado....

HOMEM : ... (sem fala. Espantado)...

MULHER : .. Imaginei sendo devorada por potes de requeijão. Fugia e quase me afogava nos iogurtes. E não eram naturais. Era uma mistura de frutas vermelhas, mamão com laranja, bio fibras e active, que tornava sua densidade grossa e espessa como área movediça. Conseguia fugir também! Mas as traiçoeiras margarinas jogavam seu conteúdo no chão, para que eu escorregasse e batesse com a cabeça. Um horror... Dois clientes e um ajudante de almoxarifado conseguiram me conter porque gritava tanto, que ninguém escutava as ofertas pelo alto-falante. AHHAHAHAHA (risos altíssimos) ...

HOMEM: (rapaz atônito balbucia algumas palavras)

MULHER: Fiquei tão desesperada. Foi horrível, comecei a achar que o problema era comigo (nessa hora a mulher transparece carência afetiva demais, fala com a voz amargurada). Me dá um abraço?

HOMEM: como é que é? Abraço? Nossa!!! Olha meu ônibus. Ele chegou, como ele é rápido. Deixa para a próxima... (sobe correndo o ônibus)

MULHER: E vamos para Iguaba, dia desses. Curtir uma praia, a lagoa, uma cerveja ou suco... Dançar um forró juntinho. Que tal?

5 Comments:

At 08 setembro, 2006 22:24, Anonymous Anônimo said...

Hahahahahahahahaha!!!
Adoreiiiiiiiii!!!
Lembrou de mim pra falar do piriripompom né?!!
Cheirooooooooooooooo

 
At 11 setembro, 2006 16:22, Anonymous Anônimo said...

Salve Bruno! Dei uma passada rápida por aqui para registrar e favoritar, lerei os contos + tarde aí te dou um feedback "tipo Barbara Heliodora" ok? Parabéns pelo blog. Beijos.

 
At 15 setembro, 2006 18:32, Anonymous Anônimo said...

Só pra registrar: ADOREI! hahahaha Muito bom!

 
At 21 setembro, 2006 09:55, Blogger Josy said...

Entrei aqui depois de um tempinho e amei esse texto. É daquele tipo que não dá para parar de ler. Muito bom.

 
At 21 setembro, 2006 18:52, Anonymous Anônimo said...

Esse texto é o máximo!!!
Tem que representá-lo mesmo!!!
Está muito bem escrito e faz vir as imagens desses dois sujeitos tal que se fosse um filme.Você consegue transmitir a psicologia dos personagens esplêndidamente. Parabens!!!
Gostei muito demais :-D

besos

 

Postar um comentário

<< Home