583 - Cosme Velho - Leblon
Um homem se aproxima da única mulher que se encontra no ponto de ônibus. Já está escuro e faz muito frio, devido ao vento gélido.
HOMEM: Frio?
MULHER: Pô, bastante.
HOMEM: Quer que te abrace?
MULHER: Como é que é?
HOMEM: É, abracinho caloroso. (chegando perto da moça)
MULHER: Peraí, nem te conheço. Que petulância!
HOMEM: Petulância seria se passasse por você gritando gostosa ou se apertasse seu bumbum... Estou sendo romântico!
MULHER: Romântico? (riso alto) Não consigo ver nada de romântico nisso que você fez. Pelo contrario. Da onde já se viu alguém do nada, chegar e te cantar. Por acaso, você vê um bar, com musica eletrônica e luzes piscando sem parar, de todas as cores?
HOMEM: Não...
MULHER: Então?
HOMEM: Então o que digo eu! Posso te abraçar ou não? Um abracinho leve, de amigo. Podemos nos esquentar juntinhos (com sorriso maroto)...
MULHER: Nem pensar. To cheia de pressa, com a cabeça a mil. Aí aparece um qualquer... (é interrompida)
HOMEM: Um qualquer não!!! Tenho nome, endereço e sonhos...
MULHER: AHAHAHAH? Sonhos? Isso todos temos. Fale um?
HOMEM: Fico envergonhado expondo meus sentimentos. Que tal um abraço?
MULHER: Que abraço, criatura!! Você não vê que esta me importunando? Não é possível... Frio, chuva, vento, sem carro, mal paga e ainda sendo importunada... Vou encontrar minha avó nadando em dinheiro quando chegar lá em casa (falando sarcasticamente).
HOMEM: Posso te acompanhar. Quem sabe conto um sonho que tenho. É tão bonito. Começa comigo caminhando por uma bela praia deserta e lá no final vejo luzes e coqueiros belíssimos...
MULHER: OK. Continua!
HOMEM: Ao acompanhar você eu desenrolo a história.
MULHER: Ah Me esquece!!! (Ela se desloca no ponto para uma área descoberta e que chove)
HOMEM: (Ele grita lá da parte coberta) Vou caminhando, deixando minhas pernas serem sugadas pela areia fofa, da maré baixa. Tatuís e caranguejos somem da minha frente num ballet misturado com um frenesi que jamais tinha visto. No fundo bolero de Ravel....
MULHER: (Ela se aproxima interessada) Interessante.
HOMEM: É, né? Sonho com isso quase todas as noites.
MULHER: eu também tenho vontade de sair dessa cidade, desse frio. Ir para o Nordeste. Ficar dançando ate o amanhecer. Do xaxado, ao rock, do axé ao piriripompom. Sempre quis ser dançarina, mas hoje sou assistente geral de caixa ali no supermercado.
HOMEM: Oba, aqui do lado. Vou te visitar! E tomaremos um suco.
MULHER: Visitar, nada. Que isso? Alem de maluco, é perseguidor. Sai para lá.
HOMEM: Nossa, você treme toda. Só porque te conheci a cinco minutos no ponto acha que vou te atacar. (risadas altas) Só quero conversar.
MULHER: Tá bom! Tá bom. E que hoje só tem maluco nessa região.
HOMEM: Não exagere, só porque o hospital psiquiátrico fica nessa região.
MULHER: É pode ser. Às vezes, tenho uns ataques preconceituosos, mas sem intenção nenhuma, sabe? Essas noticias que a gente escuta no rádio. Sabe, fico dentro daquele supermercado o dia inteiro, sem ver a luz do sol. Com pessoas de diversos padrões só comprando e comprando...
HOMEM: Sei. Sei (desconfiado de algo)
MULHER: ... E eu lá. Indefesa, vendo o mundo passar na minha frente. Fico tão angustiada. Tão a mercê da corporação. Teve um dia que achei que ia ser engolida por toda a seção de laticínios do super. Ahhh desculpe, é super como chamo carinhosamente o supermercado....
HOMEM : ... (sem fala. Espantado)...
MULHER : .. Imaginei sendo devorada por potes de requeijão. Fugia e quase me afogava nos iogurtes. E não eram naturais. Era uma mistura de frutas vermelhas, mamão com laranja, bio fibras e active, que tornava sua densidade grossa e espessa como área movediça. Conseguia fugir também! Mas as traiçoeiras margarinas jogavam seu conteúdo no chão, para que eu escorregasse e batesse com a cabeça. Um horror... Dois clientes e um ajudante de almoxarifado conseguiram me conter porque gritava tanto, que ninguém escutava as ofertas pelo alto-falante. AHHAHAHAHA (risos altíssimos) ...
HOMEM: (rapaz atônito balbucia algumas palavras)
MULHER: Fiquei tão desesperada. Foi horrível, comecei a achar que o problema era comigo (nessa hora a mulher transparece carência afetiva demais, fala com a voz amargurada). Me dá um abraço?
HOMEM: como é que é? Abraço? Nossa!!! Olha meu ônibus. Ele chegou, como ele é rápido. Deixa para a próxima... (sobe correndo o ônibus)
MULHER: E vamos para Iguaba, dia desses. Curtir uma praia, a lagoa, uma cerveja ou suco... Dançar um forró juntinho. Que tal?
5 Comments:
Hahahahahahahahaha!!!
Adoreiiiiiiiii!!!
Lembrou de mim pra falar do piriripompom né?!!
Cheirooooooooooooooo
Salve Bruno! Dei uma passada rápida por aqui para registrar e favoritar, lerei os contos + tarde aí te dou um feedback "tipo Barbara Heliodora" ok? Parabéns pelo blog. Beijos.
Só pra registrar: ADOREI! hahahaha Muito bom!
Entrei aqui depois de um tempinho e amei esse texto. É daquele tipo que não dá para parar de ler. Muito bom.
Esse texto é o máximo!!!
Tem que representá-lo mesmo!!!
Está muito bem escrito e faz vir as imagens desses dois sujeitos tal que se fosse um filme.Você consegue transmitir a psicologia dos personagens esplêndidamente. Parabens!!!
Gostei muito demais :-D
besos
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