O Azarado
Quando Pedro acordou, sua cara ardia. Pela fresta da cortina mal fechada, o sol do inverno atípico iluminava e fritava sua testa, bochechas e nariz. Não pensou duas vezes em se levantar da cama para aproveitar o dia que viria. Após um sábado estupendo, nada como um domingo para fechar o ideal de final de semana perfeito.
Sua leveza contrastou com um passo em falso. Em pé, indagou-se com que pé tinha pisado o solo. O esquerdo ou direito? Supersticioso sobre somente esta questão, pensou em desesperar-se. Controlando sua fúria contou ate dez em três diferentes idiomas. Gato preto, passar debaixo de escada, roupa branca e reveillon, nada o deixava mais cabreiro a não ser pé esquerdo ao acordar. Como não se lembrava, foi direto ao banheiro lavar-se, passar protetor solar e colocar a velha sunga batida do verão anterior. Com musica no ouvido, óculos escuros, sorrisos para dar e vender a todos que o olhavam no calçadão e com sua inseparável bicicleta usada, seguiu o rumo do ponto de encontro onde à turma se reunia há mais de uma década.
Pior que religião e futebol, era o seu lugar na praia. Não mudavam nunca. Exerciam o mesmo ritual todas às vezes. Tudo bem que sempre algo entrava na moda, como xadrez, seda de celulosa, mate de galão ou mesmo a sempre constante cervejinha, que na praia potencializa o pensamento. Tudo transcorria conforme manda o roteiro jovial do momento. Após o começo do declínio solstício, Pedro deu por encerrada sua participação naquele belo espetáculo da natureza e comunicativo como sempre fora. Deu adeus a todos com aquele sorriso sempre presente e maroto que escondia a mais terrível das vontades, urinar.
Andando em direção ao bicicletário reparou que sua “violeta andante” estava caída. Ao levantar, a primeira dor de cabeça: o pneu dianteiro estava completamente vazio. Teria ele furado? - pensou. Não satisfeito em dar a noticia a Pedro, a bicicleta dei outro sinal. Seu cambio automático de 18 marchas estava entupido de areia com pitadas de água salgada, potencializando assim a corrosão e plena destruição do seu meio de transporte.
O belo sorriso que Pedro estampava foi transformando em uma mistura de angustia, aflição e decepção, pois sua vontade de fazer xixi chegava a níveis intoleráveis e a água do mar teimava em bater seu recorde de frio. Impossível a entrada. Com as mãos atadas começou a andar os 7 km que separavam sua casa da praia. Tentou não se lembrar da vontade, mas tudo conspirava contra. Desde o chuá no tonel de mate ate o bater das ondas no fundo ao encontrar-se com o mar.
Pensando em uma maneira de distrai-se, começou a observar casais, crianças, skatistas e corredores. Pedro adorava esse exercício de adivinhar o que pensavam. Olhava para o rosto de cada um e começava a viajar. Mas algo o incomodava. Devido à miopia, o entardecer misturava as cores e as formas tornando a brincadeira uma dolorosa disputa ocular. Parou, abriu a mochila e pegou a caixinha onde guardava os óculos. Ao desdobrar os mesmos, mas uma sensacional surpresa. Ele, de suas mãos, partiu-se em dois deixando uma das hastes seguras enquanto as lentes batiam com força no asfalto quente. Pedro teve que se virar para que não quebrassem sua “visão”. Recolheu as partes, colocou no bolso do short. Recolheu-se a um ponto fixo no finito dos morros e continuou sua caminhada ate em casa, com o enorme desconforto de urinar.
Não bastando o pneu furado, o pedal da bicicleta teimava, de uma hora para outra, em bater e machucar tanto a canela quanto a panturrilha. Após três dentadas em cada perna, pensou em sacrificar seu veiculo em prol do alivio eminente. Por ser bastante racional, optou pela guarda e manutenção de seu veiculo de duas rodas.
Ao sair da praia, esperava-se que em quinze minutos estaria em casa. Cumpriu o percurso em quase uma hora. Exaurido, mas feliz por ter chegado, correu como um louco para urinar. Aos trancos e barrancos, acabou se prejudicando com o novo nó náutico que acabara de conceder, postergando em preciosos segundos, o ato expelidor. Fechou os olhos com tanto prazer, que não percebeu a direção e após vários outros segundos, viu-se inundado, por ter errado a privada. Já achara estranho não ouvir o barulho de encontro de águas.
Pedro limitou-se a rir sem parar. Quase um mantra ao contrário. Achando seu azar cômico, dentro de tantas alegrias que a semana o proporcionara foi limpar o que tinha feito e jurou para si que o xixi foi o estopim.
O tempo esfriara devido a inversão térmica e um banho ele procurou. Totalmente compenetrado, girou a torneira e entrou de primeira sem saber o que o esperava. O gás acabou e água congelava em suas costas e ardiam seus dedos.
1 Comments:
Gostei muito!!! Me re-lembra ao capitulo 1 de Rayuela, aquela parte que diz:“En fin, no es fácil hablar de la Maga que a esta hora anda seguramente por Belleville o Pantin, mirando aplicadamente el suelo hasta encontrar un pedazo de género rojo. Si no lo encuentra seguirá así toda la noche, revolverá en los tachos de basura, los ojos vidriosos, convencida de que algo horrible le va a ocurrir si no encuentra esa prenda de rescate, la señal del perdón o del aplazamiento. Sé lo que es eso porque también obedezco a esas señales, también hay veces en que me toca encontrar trapo rojo. Desde la infancia apenas se me cae algo al suelo tengo que levantarlo, sea lo que sea, porque si no lo hago va a ocurrir una desgracia, no a mí sino a alguien a quien amo y cuyo nombre empieza con la inicial del objeto caído. Lo peor es que nada puede contenerme cuando algo se me cae al suelo, ni tampoco vale que lo levante otro porque el maleficio obraría igual. He pasado muchas veces por loco a causa de esto y la verdad es que estoy loco cuando lo hago, cuando me precipito a juntar un lápiz o un trocito de papel que se me han ido de la mano, como la noche del terrón de azúcar en el restaurante de la rue Scribe, un restaurante bacán con montones de gerentes, putas de zorros plateados y matrimonios bien organizados. Estábamos con Ronald y Etienne, y a mí se me cayó un terrón de azúcar que fue a parar abajo de una mesa bastante lejos de la nuestra. Lo primero que me llamó la atención fue la forma en que el terrón se había alejado, porque en general los terrones de azúcar se plantan apenas tocan el suelo por razones paralelepípedas evidentes. Pero este se conducía como si fuera una bola de naftalina, lo cual aumentó mi aprensión, y llegué a creer que realmente me lo habían arrancado de la mano. Ronald, que me conoce, miró hacia donde había ido a parar el terrón y se empezó a reír. Eso me dio todavía más miedo, mezclado con rabia. Un mozo se acercó pensando que se me había caído algo precioso, una Parker o una dentadura postiza, y en realidad lo único que hacía era molestarme, entonces sin pedir permiso me tiré al suelo y empecé a buscar el terrón entre los zapatos de la gente que estaba llena de curiosidad creyendo (y con razón) que se trataba de algo importante. En la mesa había una gorda pelirroja, otra menos gorda pero igualmente putona, y dos gerentes o algo así. Lo primero que hice fue darme cuenta de que el terrón no estaba a la vista y eso que lo había visto saltar hasta los zapatos (que se movían inquietos como gallinas). Para peor el piso tenía alfombra, y aunque estaba asquerosa de usada el terrón se había escondido entre los pelos y no podía encontrarlo. El mozo se tiró del otro lado de la mesa y ya éramos dos cuadrúpedos moviéndonos entre los zapatos-gallina que allá arriba empezaban a cacarear como locas. El mozo seguía convencido de la Parker o el Luis de oro, y cuando estábamos bien metidos debajo de la mesa, en una especie de gran intimidad y penumbra y él me preguntó y yo le dije, puso una cara que era como para pulverizarla con un fijador, pero yo no tenía ganas de reír, el miedo me hacía una doble llave en la boca del estómago y al final me dio una verdadera desesperación (el mozo se había levantado furioso) y empecé a agarrar los zapatos de las mujeres y a mirar si debajo del arco de la suela no estaría agazapado el azúcar, y las gallinas cacareaban, los gallos gerentes me picoteaban el lomo, oía las carcajadas de Ronald y de Etienne mientras me movía de una mesa a otra hasta encontrar el azúcar escondido detrás de una pata Segundo Imperio. Y todo el mundo enfurecido, hasta yo con el azúcar apretado en la palma de la mano y sintiendo como se mezclaba con el sudor de la piel, como asquerosamente se deshacía en una especie de venganza pegajosa, esa clase de episodios todos los días. ”Julio Cortázar.
Un beso,
gabriela
Postar um comentário
<< Home