quarta-feira, junho 07, 2006

Urticária

Só se coça. Suas unhas enormes logo a denunciavam. – É para tocar guitarra, dizia ela sem graça a quem não conhecia. Alguém acreditava? Realmente não sei. Eu não acreditei.

Era só alguém virar para o lado e pronto começava o coça coça. Pernas, braços, pescoço e pé. Pé esquerdo! Não entendia porque só o pé esquerdo, logo ele que não tomava decisão para nada. Chutar era com o direito, começar a caminhar... Pé direto, descer e subir escadas... Pé direito. Já que não fazia esforço ou era coadjuvante, o mínimo que deveria ser válido era sofrer um pouco. Mas nada adiantava.

Já fora em inúmeros médicos e especialistas diferentes e ninguém saberia responder qual era seu problema. Desesperada começou a conviver com a coceira. No verão do cão, ia trabalhar de gola role para tampar a vermelhidão no pescoço, no inverno usava uma leve camisa de algodão, porque a lã a incomodava. De certo, vida social era complicada. Os últimos três namorados a tinham largado, por incompatibilidade de problemas. A coceira estava presente durante quase todos os eventos. No cinema, filme começando, os dois abraçadinhos no fundo da sala, o suspense latente na trilha sonora.... – amorzinho, coça aqui minhas costas?
- Ah. Aonde?
- Mais em cima um pouquinho.
- Aqui ta bom? E fala mais baixo...
- AHHHHH. Agora sim.

Na hora do sexo, a mesma coisa.
- Hummm, delicia...
- Hoje ta muito bom...
- Ai meu deus!
- Hoje ta muito, muito bom!
- Ai meu deus, não to agüentando....
- Isso mesmo! Não é para agüentar. Se solta, grita no meu ouvido!!!
- Coça, o meu antebraço???
- Ah?!?!?!?!
- Vai coça? Para não parar o que estamos fazendo!!!
- Ta bom - com cara de injuriado.
- Humm delicia!!! Não pára, não pára!
- O quê?
- De coçar....

Desta maneira, já estava sozinha há dois anos. Suas forças iam se acabando, da mesma que suas unhas ficavam cada vez mais fortes de tanta coceira. Cansada de continuar assim, mandou prender suas mãos nas costas com algemas, por alguns dias. Passados 20 minutos, implorou para que abrissem. Não suportava sua urticária. Internou-se.

Lá ficou com sua coceira por um tempo longo. Por causa do inverno, as luvas que a derma atenuava o passar das mãos pelo corpo. Nesses três meses, não ficou vermelha e nem com feridas. Ganhou o apelido de “moça das luvas” e começou a ajudar os outros doentes que chegavam a clinica.

Fez daquilo seu novo mundo, onde seu problema era o menor de todos os problemas. A moça da luva voltou a sorrir timidamente. Ao fim do inverno, começou a se preocupar. Calor aparente, as luvas não seriam necessárias. Por vários dias ficou no quarto, fitando as mãos vestindo luvas. Como são bonitas e combinam com qualquer um dos meus vestidos. Acho que estou mais atraente, dizia ela com prazer para si mesma.

Naquela manhã de primavera, acordou com o sol quente batendo na cara. Suas mãos estavam suadas. Logo se desesperou. Saiu do quarto chorando implorando para deixar a suavidade em seu corpo. Seu choro era ouvido por todos os lugares do antigo casarão, onde funcionava a clinica. Passando pelo saguão central, seus olhos pararam de lacrimejar. Todos cercavam o jovem moreno que acabara de entrar algemado numa cadeira de rodas. Os médicos e enfermeiros pediam calma a Jairo. E Jairo continuava a se debater, pedindo para ser solto. A moça da luva mudou seu enfoque e foi ao encontro dele. Disse que poderia ajudar Jairo. Saberia o que fazer para acabar com a angústia presente em seus olhos de adolescente apavorado.

Quando soltou as algemas, viu qual era a mania de Jairo. Ele não conseguia deixar de arranhar com as mãos tudo que ele via e passava. Enquanto arranhava os braços da cadeira de rodas, seus olhos procuravam outra superfície. Para se acalmar após a moça de luva começou a conversar com ele. Logo se tornaram amigos. De amigos, confidentes. De confidentes, amantes. De amantes, eternos.

Na clinica, foram morar e tratar de suas manias. Porém, a moça da luva não usava mais suas luvas. Jairo a coçava diariamente, a toda a hora. Daí surgiu à cumplicidade deles. Viveram felizes para sempre. Até o dia que nasceu Laurinha, que teimava em tocar no teto.

8 Comments:

At 07 junho, 2006 03:50, Anonymous Anônimo said...

Acho tão bom que faz vir coceira mesmo e certo medo de pegar alguma mania -o se descobrir na própria!- depois de lê-lo.
Realmente gostei muito demais!!!

um beso,
gabriela

 
At 08 junho, 2006 11:39, Anonymous Anônimo said...

eeeeeh dps de seculos tentando comentar eu consegui!
john, ou melhor, bruno, adorei primeiro d tudo saber q vc escreve, e segundo o texto e mt bom!
amei, vo visitar smp seu blog!
bjos

 
At 11 junho, 2006 16:11, Blogger G.Z.S.M. said...

Gostei mais dos primeiros textos.

 
At 16 junho, 2006 12:01, Anonymous Anônimo said...

Continuo lendo seu blog! Impressionante a sua capacidade de escrever! Não te imaginava assim!!

Como você pode "conhecer" uma pessoa a sua vida toda e não saber nada dela, não?
Você tem MSN? Quero te adicionar!
Beijos,
Renata

 
At 21 junho, 2006 16:24, Anonymous Anônimo said...

muito interessante queridinho...mas de repente eu poderia ajudar essa moça... :)
bjs

 
At 26 junho, 2006 20:03, Anonymous Anônimo said...

Bruno querido,
Amei os seus escritos, é de uma beleza e sensibilidade muito grande. Parabéns!
Confesso que estou muito impressionada em perceber que a pessoa que eu achava que voce era não tem absolutamente nada a ver com a pessoa que voce é!
Foi mal, precisava te dizer isso...
Torço de verdade pra que voce consiga conquistar tudo aquilo que esta buscando, até porque talento voce ja mostrou que tem.
Com Carinho
Mirinha

 
At 27 junho, 2006 15:39, Anonymous Anônimo said...

Muito om heim Evan (ou eeeevan), parece ser um consenso geral a revelação do grande escritor!

Prabéns!
bj
Danny F.

 
At 27 junho, 2006 17:46, Anonymous Anônimo said...

ótimo.
Será que existe mesmo sempre um chinelo velho para um pé cansado???

 

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