O menino e os sonhos
Todos os dias, perto da meia noite Carlos agradecia a D’s por tudo que acontecera de bom naquele dia e com bocejos, deitava-se na cama e cobria-se ate o rosto com o lençol. Soltava um grande gemido de relaxamento e esperava o sono vir, com pensamentos sempre diferentes. Raramente tinha problema de insônia e também não foi dessa vez.
Dez minutos depois de se deitar, Carlos começou a fazer aquilo que mais gostava na vida: sonhar. Era o único momento do dia em que seu relaxamento era completa e aonde suas idéias, apesar de difusas quando acordado, se esclareciam. Era lá que descobria suas verdadeiras paixões, que encontrava pessoas esquecidas em seu conhecimento, e via paisagens totalmente antagônicas, como uma grande pista de esqui em pleno Rio de Janeiro.
Nesta noite enquanto a brisa da primavera teimava em esquentar o ambiente, Carlos teve seu grande sonho. Sonhava que andava por ruas vazias, sem carros, nem buzinas. De um lado prédios imensos, típicos de um centro de cidade altamente financeira e do outro lado da larga avenida, um campo verde, com a relva sendo banhada pelo sol e pelo vento que teimava em soprar com intensidade. Reparara que em sua mão direita, segurava uma boneca de pano. Pequena, mas robusta, cheia de alegria. Suas roupinhas eram para lá de alegres. Vermelho das saias, camiseta branca com flores bordadas rosa e um sapatinho amarelo. O cabelo preso em Maria-chiquinha denunciava uma suavidade apesar de seus fios encaracolados. Segurava a boneca pela mão, mas puxou-a para perto e a segurou no colo.
Olhou para o horizonte distante e percebeu que lá teria de chegar, O infinito da avenida, nem sequer o abalou. Cheio de coragem, respirou fundo e percebeu que a partir daquele momento aquela boneca fazia parte de sua vida.
O sinal fechou e com ele, Carlos parou. Olhou para um lado, olhou para o outro. De um lado os prédios espelhados, do outro a calmaria. De um lado, toda a tecnologia que ele iria absorver, mas do outro toda a tranqüilidade esperada por anos. Indeciso sobre o que fazer, por um momento ficou tentado em deturpar a linha reta que traçava o horizonte e se emaranhar pela selva de pedra. Era lá que acostumado a tudo, sobrevivia ferozmente a todos os infortuitos que a vida consciente lhe mostrava. Hesitou, respirou fundo e procurou no bolso o cigarro. No esquerdo não achou nada. Colocando a mão no outro, a surpresa, o maço tinha se transformado em flores. A essência que exalava do ramo em sua mão era leve, como de capim limão. Ou era lavanda? Riu pela falta de conhecimento dos cheiros.
- É melhor se acostumar. A partir de hoje, você irá se identificar cada vez mais com esse tipo de coisa! Disse a boneca de pano de repente. Carlos olhou para ela e sorriu. Já sabia que isso iria acontecer, um dia. Só não sabia quando.
Voltou a olhar os vastos campos verdes, mas não entrou como também não entrou pela selva de pedra. Continuou pela reta sem se preocupar aonde teria entrar. Simplesmente percebera que ambos os lados fariam parte de sua vida a partir de agora. Não haveria necessidade de se preocupar com decisões neste instante. As decisões que tomavam diariamente quando acordado, já preenchiam todo seu tempo. Mas já sabia que as coisas iriam mudar radicalmente. Aquela linda boneca dependeria dele, por um bom tempo. Era para ela que toda a sabedoria conquistada e sofrida ao longo de diversos anos ia começar a ser utilizada. Era ela que sorria inocentemente agora. Donde as agruras da distancia entre os dois lados da avenida ainda não se conjugavam. Aonde o que era certo e errado viria dele e não das imagens vistas pelo mundo que ainda não despertara.
Por isso segurou forte a mão da boneca, botou os óculos escuros que incomodavam sua visão e conseguiu enxergar o final da avenida em que se encontrava. Lá viu um grande sofá, uma tela cheio de desenhos, os mais coloridos possíveis e brinquedos dos mais diversos. Viu também delicias comestíveis e inclusive uma lata de coca-cola. Soltou uma longa gargalhada. Mas entendeu isso como uma prova de que coisas muito boas tomariam conta de sua vida daqui pra frente. Virou-se para a boneca e perguntou:
- Boneca, qual é o seu nome? Disse com alegria.
- Pode me chamar de Laura, disse a pequena boneca, um pouco tímida, mas agarrada a seus braços.
- Então Laura, você vem comigo?
Antes de ela afirmar com a cabeça, a pôs sobre os ombros e foram caminhando rumo ao horizonte.
Nesse momento, escutou uma musica diferente daquilo que presenciava. Carlos abriu os olhos e viu que era dia. Viu sua mulher e a beijou. Sorriu, levantou-se da cama sem desembaraço e foi viver pensando na próxima noite de sonhos.
PS: Uma leve homenagem ao casal Blum e a chegada futura de Laura.
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2 Comments:
teste 1234
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