segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Maças

Caindo, a maçã foi ganhando velocidade até se espatifar no chão. A árvore sorriu. Mais uma que cai de meus galhos, falou ela. Que peso que estava sobre seu tronco. Todo ano era mesma coisa, chegava essa época, e a macieira ficava entupida de frutos. Imagina um adolescente em ebulição com a cara cheio de espinhas. Era a arvore com maças.
As chuvas tinham sido abundantes naqueles meses, molhando sempre que possível suas raízes centenárias. Era uma curtição só naquele descampado. Uma arvore dentre milhares de flores daquele jardim. Sozinha não se sentia, pois os pássaros eram seus companheiros, as abelhas suas confidentes e as formigas seus xodós. Todos freqüentavam a macieira regularmente, quiçá diariamente e o final de estação era comemorado como ano novo, mais uma etapa se cumprindo.
Ao longo do ano, a árvore adotava 4 identidades diferentes, quatro estados de vida heterogêneos. Se no verão a afobação era total, no inverno só faltava o prozac. Careca, sem folhas, troncos ressecados e gosto ruim do solo. Esses eram os aspectos da macieira no inverno. Tudo muito frio, escuro, sem vida. Medo sempre tinha de ser esquentada numa lareira porem confiava em seu taco. Faz dois anos que tinha se recuperado de uma ventania seguida de granizo que devastou a região. Plantações, florestas, pomares e hortas receberam a extrema-unção da natureza. Menos a macieira. Após esse episódio, todo começo de primavera ela depositava suas esperanças em seus filhotes (maças) com o propósito de que no começo do verão sua cor rubra destoasse no horizonte, sendo vista por tudo e todos. Concordava que era uma macieira narcisista. Afinal não tinha competição.
Sem nenhum transtorno começava a perder suas lindas madeixas tres meses depois, se fazendo do ciclo de vida de suas folhas. Era triste ver uma a uma sendo levada pelo vento frio do outono. Sempre a noite, o que a agradava mais pelo simples fato de não ser visto por quase ninguém, tirando uma coruja que ficava discretamente olhando o desfazer gritando bem me quer/mal me quer. Era sacana e só ficava na região por um simples período de tempo migrando para outras regiões.
A macieira nunca tinha perguntado nada a coruja, mas sua vontade de conhecer outros lugares deixavam-na extremamente curiosa. Tinha ouvido historias incríveis e historias era o que mais tinham para lhe falar. Era um baú de historias. De todos os tipos. Era como já conhecesse diversos climas, regiões e vales por aí. As vezes conversava com as margaridas e lírios que habitavam seu redor sobre a vida após a morte delas. Afinal quando eram levadas dali para enfeitar outros lugares, eram como se transcendessem a um outro espaço. Tudo bem que muitas vezes o resultado não era o mais digno, porem ficar repousando ao lado da mulher amada de um certo alguém valia a pena o risco e tudo de que ruim existisse. Só o sorriso, a respiração, um suspiro acabava com o que havia de pior.
Como no caso das maças, somente uma parte iria para os outros, no próprio fruto aonde guardava toda a essência que tinha sucumbido adão e que destoa muita coisa ainda hoje. Conhecido como fruto proibido no passado, mas visto com o poder do amor hoje em dia, me gabo de ter o poder para gerar o amor dentro de cada pessoa. Afinal de contas, sou um cupido em forma vegetal, aquele que trará paixão para todos. Enquanto meus frutos saírem de mim, posso garantir que a felicidade de ser amado por alguém reinará.
Mais uma maçã cai rolando pelo chão.

1 Comments:

At 20 fevereiro, 2006 15:19, Anonymous Anônimo said...

Estou cada vez mais impressionada!

Uhmmmm...

 

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